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CAUSOS AMAZÔNICOS, DE OCTAVIO PESSOA

Causo é um gênero criado pelo povo e é com o povo que os causos ganham o perfil próprio de um gênero que transita entre a crônica e a narrativa curta como a anedota, com um pé no folclore. Causo é uma prosa esparramada de liberdade, de realidade, do inusitado, da criatividade do povo e de suas personagens marcantes à memória de quem a vivencia. Caso seja o escritor inclusive o personagem desses causos, melhor ainda. Causo é quando o escritor se acomoda ao cuidado de colocar cada palavra em seu devido lugar e assim, não deixar nada passar, principalmente porque o causo delineia que a linguagem é também um fenômeno político e nenhum gênero expressa tão bem os deslizes, as gafes, o hilário. Volto a frisar: causo é um gênero literário, com suas características bem definidas, como narrativa curta, personagens populares, linguagem típica, palavras recheadas de neologismos e de história da própria língua e nada melhor que um escritor de causos para dar voz à voz do povo. Causo é um gênero lit...

UMA ANTOLOGIA PARA A LIBERDADE

O ato de viver é um ato de liberdade porque é em essência um ato revolucionário, como hoje é o ato de caminhar, pensar, escrever - e costumo dizer que uma antologia é uma obra diferenciada porque temos a liberdade de ler vários autores em um só livro. É o caso de Versos Para a Liberdade, recém-lançada pela Paka-Tatu, editora paraense que tem em seu catálogo muitos autores da nossa região - quase como uma característica e uma identidade, a de promover nossos escritores. São oito poetas, alguns deles com obras publicadas pela mesma editora e conseguindo espaço no cenário literário paraense, como é o caso de Genésio Gomes dos Santos, autor também de outros três livros que despontam com um estilo peculiar de quem conhece as narrativas da "sapiência oral" - como ele se reporta - às histórias ouvidas da mãe, a Tia Maria, e que já se tornaram obras dignas de ser utilizadas em sala de aula, como estou fazendo com meus alunos. Sim, a Antologia já vem carimbada de talento, a começar pe...

A DIFÍCIL ARTE DE ESCREVER PARA CRIANÇA - LIVROS DE LEONAM CRUZ

Imaginem a sensação do escritor ao pensar em escrever para criança.  Por onde começar? Qual assunto tomar? Qual a linguagem certa para um público tão exigente?  E como deve o livro ficar? A capa? As cores? As imagens? As ilustrações? - afinal a literatura infantojuvenil se caracteriza justamente pelo uso das ilustrações, desenhos, traços - como diria Van Gogh, tudo começa com um traço. O escritor paraense Leonam Gondim da Cruz Júnior encontrou a fórmula: ele escreve do que ensina a vivência no dia a dia.  É a vida a grande mestra na difícil arte de escrever para criança. Parece que livro escrito por Leonam Cruz surge do fundo do quintal, da experiência própria como autor, aquele que diz Umberto Eco ser, como os generais romanos, um conquistador de terras para o Império, e aqui o Império - volto a frisar - é sempre a difícil arte de escrever para criança. Um autor para criança é aquele que sabe conquistar o coração do jovem leitor, o coração de uma criança. Dos livros que ...

O AMOR GOSTA DO SOBRENATURAL

Quem gosta de história somos nós, ouvintes, leitores, escritores. Quem gosta do sobrenatural é o amor. É exatamente isso que trata o novo livro de Agildo Monteiro Cavalcante, em uma narrativa ágil e marcada pelo conhecimento histórico da causa, o que realmente aconteceu momentos antes da morte do governador tenentista Magalhães Barata que governou o Pará de 1930 a 1959. O livro, o qual eu chamaria de crônica de um romance proibido, retrata dois aspectos: um de ordem jurídica, a questão do relacionamento estável, longe de ser aceito à época, e que seria apenas legislado, bem depois, quando, acolhido pela Constituição de 1988, - e claro, - essa segunda questão de ordem literária e também muito interessante: o romance fantástico, através da manifestação incessante, como entidade - o próprio governador, como espírito, clamando pela presença de Dalila Ohana. Dalila tinha encantadores olhos negros, mulher de rica família seguidora da lei mosaica, com quem o governador paraense convivia há ma...

AMAZÔNIA CULTURAL

  O Dia da Amazônia é celebrado hoje, cinco de setembro, e com ele queremos lembrar que há outra vastidão na região mais rica do mundo: há também a sua expressiva manifestação de seu fenômeno cultural!  É uma cultura que dialoga com a sua religiosidade, com a sua biodiversidade - e sua linguagem carrega os ritmos de seus rios, de sua chuva, de seu tempo atrelado à natureza. A linguagem amazônica é vasta como a sua região. Há vários sotaques, dentre eles o português-arcaico como na palavra boca, pronunciada "buca" - na verdade era como se falava no latim vulgar. Temos lugares que ainda falam resquícios da língua a servir de base ao português moderno. E isso é pauta para um artigo mais longo. Quero aqui deixar a lembrança de nossa Etnoposia, seu misticismo, seus personagens, seus mistérios, suas entidades, seus portais para outros mundos, outras compreensões da vida.  Que essa homenagem tenha o aconchego da chuva amazônica, seu rimbombar de um trovão que nos faz lembrar ain...

CONTOS DA AMAZÔNIA, DE IVANILDO FERREIRA ALVES

  Contos da Amazônia, de Ivanildo Ferreira Alves.     Lançado em 2001 pela Editora CEJUP, em Belém PA, a obra reúne cinco contos que versam sobre o que já vem destacado na capa desta edição “O misticismo do homem amazônida, seus costumes, sua linguagem. A vida do povo destas paragens em prosa e verso”. Vou colocar na sequência abaixo os nomes dos contos e um resumo comentado de cada um.   A LENDA DA MULHER CHEIROSA   O livro inicia com a Lenda da Mulher Cheirosa, uma narrativa contada pelos habitantes da marajoara Ilha de Tijoca, e podemos dizer que o tema trata de um assunto pertinente à profissão do autor que é advogado, tendo atuado como professor de Direito, que é a questão da justiça. Pode uma entidade espiritual praticar a justiça para com um homem que seduzia as belas meninas do lugar? Carlos Xibiu, nome que evoca a versão popular de vulva, sugerindo assim a ideia de mulherengo, era o sedutor do pacato lugarejo, homem que usava um olho...

A Solitária Estrela sobre o Lema Ordem e Progresso

  Mandei para meus alunos, via WhatsApp, uma reflexão sobre o significado do 15 de agosto aos paraenses. Queridos alunos, É feriado no Pará, 15 de gosto de 2023, e as elites não programaram nada para festejar a data de ADESÃO à independência do Brasil, quase um ano depois da proclamação da independência em 1822, justamente na importante efeméride de um bicentenário. Não festejam porque não querem ver o povo unido. O Grão-Pará foi o último a aderir e não é a toa que, na bandeira, estamos solitários acima do lema Ordem e Progresso. (Sim, estamos solitários por conta da bandeira republicana do Brasil indicar a capital mais ao norte naquele céu noturno de 1889, como assim aprendemos nos bancos das escolas sobre a simbologia do nosso ícone maior de nacionalidade por conta da Proclamação da República.) Quero falar de outra solidão. A solidão do Grão Pará em relação à Província do Brasil à época de nossa independência. O Brasil de 1823 era dividido em duas Capitanias: A província do Grão ...

HABITAMOS UMA CASA, MAS NÃO UM LAR

Habitamos uma casa, mas não um lar.  É nesse sentido que o livro Ecofilosofia: Do Antropocentrismo ao Ecocentrismo, de Ricardo Albuquerque, nos coloca a par da trajetória da filosofia - exatamente a filosofia  que é também o caminho que norteia, direciona, aponta o rumo da humanidade - esse mesmo caminho que antes de começar com o Logos, havia - e devemos lembrar também - esse é um dos pontos fortes do livro - da noção harmônica de Gaia, a Mãe-Terra, a mãe dos deuses grega, assim como Pachamama, a Mãe-Terra andina, também mãe dos deuses, da nossa América do Sul. O lar pode ser aqui uma palavra que complementa o sentido de mundo, - este, um vocábulo de entendimento vasto e portanto nem sempre adequado quando é matéria da reflexão, afinal o mundo é sempre um lugar de confronto, oposto, por exemplo, a cosmo, que nos traz o significado de harmonia. Porque abandonamos o cosmo de Gaia e de Pachamana, enveredamos pela cultura logocêntrica e de repente nos vemos retornando a um lar em...

"APRENDI SOZINHA": RELATO DA PARTEIRA DONA MARCELINA, COLHIDO PELA PESQUISADORA IREANE MELO, ALUNA DO CURSO DE LETRAS DA UFPA, CAMPUS DE ABAETETUBA.

    O seguinte relato aqui apresentado vem do Município de Barcarena, cujo nome se originou, segundo o imaginário da população local, por causa de uma grande embarcação que era batizada como “Arena", conhecida pelas pessoas como “Barca”. A junção das duas palavras fez com que a localidade ficasse conhecida como Barcarena. Devido a sua proximidade de Belém, a cujo território pertenceu até 1938, Barcarena foi palco de importantes acontecimentos dos anos da Cabanagem. Com intuito de encontrar pessoas que contassem histórias de encantarias, fui pesquisar em locais mais distanciados da cidade. Posteriormente, ouvi dizer sobre a senhora Marcelina, que inclusive é muito conhecida na comunidade por ter feito inúmeros partos. No dia seguinte, fui visitá-la em sua casa na comunidade CDI, em Barcarena. Assim, que cheguei em sua residência, fui muito bem recebida, contei que participo do Grupo de Pesquisa sobre Etnopoesia e que sou discente do curso de Letras Língua-Portuguesa, Camp...