"APRENDI SOZINHA": RELATO DA PARTEIRA DONA MARCELINA, COLHIDO PELA PESQUISADORA IREANE MELO, ALUNA DO CURSO DE LETRAS DA UFPA, CAMPUS DE ABAETETUBA.
O seguinte relato aqui
apresentado vem do Município de Barcarena, cujo nome se originou, segundo o imaginário
da população local, por causa de uma grande embarcação que era batizada como
“Arena", conhecida pelas pessoas como “Barca”. A junção das duas palavras fez
com que a localidade ficasse conhecida como Barcarena. Devido a sua proximidade
de Belém, a cujo território pertenceu até 1938, Barcarena foi palco de
importantes acontecimentos dos anos da Cabanagem.
Com intuito de encontrar
pessoas que contassem histórias de encantarias, fui pesquisar em locais mais
distanciados da cidade. Posteriormente, ouvi dizer sobre a senhora Marcelina,
que inclusive é muito conhecida na comunidade por ter feito inúmeros partos.
No dia seguinte, fui visitá-la
em sua casa na comunidade CDI, em Barcarena. Assim, que cheguei em sua
residência, fui muito bem recebida, contei que participo do Grupo de Pesquisa
sobre Etnopoesia e que sou discente do curso de Letras Língua-Portuguesa,
Campus de Abaetetuba e perguntei se ela me cedia uma entrevista para falar
sobre a sua vida como parteira e benzedeira. E com gentileza e simpatia aceitou
o convite. A partir disso, iniciei a entrevista.
Perguntei qual era o seu
nome completo, a sua idade e também para ela me explicar sobre o dom que ela possui.
E assim ela respondeu :
“- Meu nome é Marcelina
Machado dos Anjos, tenho 97 anos. Eu já fiz muito parto no Conde (Barcarena). Quando
eu morava lá ia para uma casa e amanhecia na outra, eu tinha um lote de papel com
todos os nomes que eu pegava, como não sabia escrever, pedia para colocarem o
nome a data... É de uma casa que eu tinha , sumiu que eu não sei quem levou,
levaram e eu não sei pra quê, não servia pra eles. Foi muito mais de cem que eu
já fiz, da minha nora todos eu peguei, foi tudinho eu que peguei."
Questionei desde quando
ela tinha esse dom, e a reação dos seus pais ao saberem sobre o seu dom:
"- Comecei há muito tempo,
tinha uns 16 anos, o primeiro e o segundo filho que eu peguei eu ainda era
solteira, não tinha parteira e a pequena estava quase pra ter eu peguei o filho
amarrei o umbigo , cortei e botei um pano assim, e foi aí que eu comecei,
aí não parei mais. Pai eu só tive pra me
fazer e a minha mãe faleceu cedo, depois que eu tive o meu filho, ele cresceu, eu sempre fiquei do lado dele. Ele que é filho e pai."
Perguntei se ela fazia
alguma, reza ou oração para fazer os partos:
"-Fazia...o primeiro parto
que eu fiz, eu aprendi uma oração. Mas não sei dizer como aprendi, aprendi
sozinha:
Nossa Senhora do bom
parto,
Me ajude nesse parto,
E quero que vós me ajude.
Não ter perigo nenhum, me
ajude
Minha Nossa Senhora do bom
parto.
[...]
Dona Marcelina prosseguia:
"-Eu também dizia obrigado
e pedia para que me desse coragem, pra mim ter coragem pra pegar uma criança e
pra cortar o umbigo. E nunca aconteceu
nada. Depois que eu comecei a fazer parto, nem procuravam mais o hospital. Eu
fazia uma preparação, eu conversava com as grávidas, ainda mais pra quem não
sabia o que era ter um filho, eu dizia que a gente fazia de um jeito e aí
quando era na hora ela tinha [o bebê] e eu amarrava o umbigo e cortava com a
tesoura. E eu também fazia uma temperada, com um pedacinho de cedro, mucuracá e
um pedacinho de alho. E elas ficavam satisfeitas, o chá ia sarando aquilo,
porque a gente fica tudo baqueado."
Perguntei sobre ela também
ser benzedeira:
"- Eu quando morava no
Conde eu bem dizer nem dormia. Eu benzo até hoje, sempre trazem uma criança. Esses
dias, uma pequena trouxe um pirralho jogado no braço, ela veio pra eu benzer,
eu benzi e graças a Deus ele levantou.”
Nesse momento eu pude
sentir a dimensão da energia nesse relato da dona Marcelina e da alegria dela
em curar uma criança que segundo ela estava muito mal e que somente com uma
oração, tiraria aquela coisa ruim do seu corpo.
Antes de começar a
entrevista, conversei com o filho dela, ele me relatou que tinha ido essa
criança na casa dela e que a sensação ruim da criança de alguma forma afetava
ela também, mas que depois da oração tudo melhorava. Depois, ela continuou o
relato:
“- Eu rezei, ele depois pediu água e depois os pais saíram satisfeitos, eles não dormiram a noite inteira com ele, ele não conseguia dormir, ficava andando em cima da cama e eu disse que não era uma coisa boa, não era coisa boa que ele tinha, tinha uma energia negativa. Ensinei um remédio e depois os pais vieram agradecer que o filho já estava espertinho. Eu ensinei pra eles. Perguntei se eles tinham uma planta chamada Curimbó e disseram quem sim, aí eles tinham que raspar só um pouquinho, também precisaria de um pouco de cipó-alho e defumá ele com alecrim. E isso era pra passar tudo no corpo dele. E deu tudo certo.”
Por fim, ela disse:
“-Muita gente dizia, se eu
não tinha medo. E eu dizia medo pra quê? Eu dizia Deus me deu esse dom, então
não tem porque ter medo. Da minha nora todos eu peguei, foi tudinho eu que peguei.”
Me sinto contemplada por
ter ouvido a dona Marcelina, com o seu relato de vida, do seu amor ao Deus
altíssimo e pela sua coragem contagiante.
Gratidão!
Barcarena-PA
22.04.2023
Ireane Melo
Amei a entrevista, fiquei encantada com a Dona Marcelina e com o seu dom. Parabéns Ireane, ótimo trabalho !
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