O ato de viver é um ato de liberdade porque é em essência um ato revolucionário, como hoje é o ato de caminhar, pensar, escrever - e costumo dizer que uma antologia é uma obra diferenciada porque temos a liberdade de ler vários autores em um só livro.
É o caso de Versos Para a Liberdade, recém-lançada pela Paka-Tatu, editora paraense que tem em seu catálogo muitos autores da nossa região - quase como uma característica e uma identidade, a de promover nossos escritores.
São oito poetas, alguns deles com obras publicadas pela mesma editora e conseguindo espaço no cenário literário paraense, como é o caso de Genésio Gomes dos Santos, autor também de outros três livros que despontam com um estilo peculiar de quem conhece as narrativas da "sapiência oral" - como ele se reporta - às histórias ouvidas da mãe, a Tia Maria, e que já se tornaram obras dignas de ser utilizadas em sala de aula, como estou fazendo com meus alunos.
Sim, a Antologia já vem carimbada de talento, a começar pelo acertado título "Versos Para a Liberdade", pela imagem da capa nos remetendo à ideia da aprazível encontro com o mar (recinto romântico por excelência), e da terra com o vento na cena aérea de uma praia.
Sim, costumo dizer que um livro é similar a um ser humano: tem capa de rosto, tem orelha, tem miolo, tem personalidade. A começar pelos sonetos de Madela de Jesus, que já nos brinda com a saudosa presença da antítese barroca - aliás, o Barroco é a nossa moldura e essência estética - nossa arquitetura rebuscada ou delicada, quando enxuta de artifícios e floreios, nossa alma cultural.
É tanto amor em meu peito
Que quero vê-lo brilhar
Refúgio meu ver teu jeito
Refulgente à luz do luar.
Amo-te tanto querido
Que te quero a cada instante
perto de mim aquecido
Com teu olhar diamante.
Mesmo distante és brilhante
penso em ti, a saudade invade
Queima qual vulcão ardente.
Lá no céus a lua minguante
lembra-me que ficou tarde!
Brilho frio! Lágrima quente!
(p.18)
Interessante nesse soneto (com certeza com alguma herança de Antônio Tavernard, nosso melhor sonetista, aquele que escrevia minirromances em cada um de seus soneto), com quatorze versos, da famosa forma fixa petrarquista, a verve romântica do amor estendido à natureza, esta como onde realmente os românticos se encontram (inclusive na nossa Música Popular Brasileira).
Um brilho frio e uma lágrima quente.
Oposição.
Antítese.
E segue a verve romântica também. - esta excepcional corrente literária que mais marcou a juventude em todo mundo, até na forma do poeta se vestir como foi a influência do famoso Werther, nome alemão do romance de Goethe, personagem que se vestia com uma jaqueta azul, e assim se tornou um modelo do próprio Romantismo, como um jovem introspectivo, solitário e passional.
Nesta linha romântica, os versos de Denilson Loureiro "Te daria aquilo que mais a mim desejaste,/uma vida que a sua vida alegrasse./Mas uma coisa preciso lhe dizer, que as melhores coisas da vida.../vivi com você" (p. 22).
Os versos de Denilson trazem a musicalidade natural da poesia e também a clássica anáfora (a repetição proposital de palavras e de versos) só que desta vez de forma interna e não em cada fim de verso e sim de acordo com o pensamento que se escreve prosaicamente como poesia.
E é nesse contexto que os versos de Denilson se enquadram em uma elegia - a refletir a perda - e novamente a postura clássica do poeta, pois é a única criatura, conforme a tradição latina, a expressar a perda como uma oração, como uma reflexão, uma filosofia, ou como dizemos no reino poético, como uma elegia: "Às vezes é preciso perder, pra aprender a dar valor/ Da forma mais difícil, com sofrimento e dor./ E quando se abre o olho e percebe já é tarde demais, se foi./ Como se vai o vento, pra qualquer lugar, nunca mais voltar".
Benedito Cardoso, por sua vez, o terceiro poeta na sequência da antologia, nos apresenta outro tema da nossa alma barroca, como fundamento de nossa identidade cultural: o tema da fugacidade: "Pois de nada adiantará o choro/Quando chegada a hora, querer perdoar//O sal da terra de nada adiantará/Putrefará o corpo", e se vocês, leitores, perceberam, o poeta acrescenta a moderna noção de consciência em seus versos, - a moderna e difícil lida com os labirintos da mente sob o impacto de sermos também desejo: onde fica a nossa consciência? para onde vai?
No poema O Tempo, na página 29, outro tema da nossa maior inquietação metafísica, quando o tempo é o nosso mestre que "Nos ensina a esperar, andar.// Caminhar e enfrentar todos os caminhos;/Cair, levantar...;/ tudo a seu tempo." E nessa sábia matemática, o "nosso maior companheiro" é o tempo.
Podem achar estranho, mas a poesia e a filosofia andam juntas porque buscam a expressão exata dentro da linguagem, já dizia Hegel, em seu famoso Curso de Estética.
E o tempo, como natureza perceptiva, tema recorrente à sensibilidade do poeta, repercute em outros poema do autor, de uma forma ou de outra, como em A Prosa das Rosas, Quantas Saudades e em Baladeira.
Na sequência, o quarto poeta da Antologia, Marcio Adriano da Costa Cavalcante, desponta como aquele que detém a memória da forma clássica da poesia que moldou a nossa alma poética no Brasil e em especial pelo toque da poética cidade natalícia do autor.
Natural da lusitana Bragança, cidade planejada pelos portuguesas para crescer ao longo de um lugar escolhido pelos Tupinambás, expulsos do Nordeste, o belo rio Caeté (literalmente na língua indígena "a que tem mato bom e água").
Assim, lembrando que "Todos cantam a sua terra e eu também vou cantar a minha" como diz o poema de Casimiro de Abreu, - e na mesma linha de Gonçalves Dias - (que cantou o Maranhão em seu Canção do Exílio), a poesia de Márcio Cavalcante não é apenas saudosismo, é também um ato profético: "Um dia eu volto pra lá/Permita Deus assim ser/Voltar à minha terra natal/Que nunca pude esquecer/ Pois é nesse lugar que eu quero/Meus últimos dias viver!". (página 42).
A poesia tem várias funções, dentre elas a demiúrgica, ou seja aquela que é natural nas cosmogonias, quando cria mundos através de narrativas míticas e nas epopeias formadoras dos povos, e há também uma função em especial, a função profética quando o poeta revela o seu próprio destino, e isso pode se confirmar, quando a poesia evoca a Bragança física, ou a Bragança metafísica, - aquela na qual o poeta, de fato, nunca a abandonou.
O tema da saudade desponta no poema homônimo da página 43 e o poema Mulher que dá "Um Sentido à vida" no cosmogônigo lar criado por Deus cabendo, assim ao Jardim o verdadeiro lugar da mulher - algo que lembra as inquitações de Guilherme de Baskerville, no célebre romance O Nome da Rosa quando o personagem de Umberto Eco lembra que a mulher foi criada no paraíso, e portanto não mereceria a misógina perseguição medieval.
O poeta também canta a confraria maçônica em dois poemas, Os Filhos da Viúva e Pedreiros da Harmonia, no primeiro, questionando a essência do Maçom e no segundo, praticamente respondendo ao primeiro, estabelecendo uma "norma poética" em sete estrofes (e sete é número bíblico da perfeição) com enumeranção romana (vou citar a quarta estrofe):
IV
Sempre de Pé e à Ordem
Vou então labutar
Levantando templos à virtude
Mais um degrau a pisar
Construindo masmorras ao vício
Um mestre me tornar.
(P. 37)
Interessante notar que o poema A Noite e o Dia também faz alusão ao tempo, um tema em comum aos oito poetas contidos na Antologia e nisso sempre há algum tema a unir os autores em qualquer antologia, mesmo que inconscientemente. E aqui volto a frisar que a temporalidade e a fugacidade são resquícios do nosso esclesiástico Barroco, a arte do século 17 que formou a nossa cultura.
Por sua vez, o poeta Jorge Leite, o quinto na sequência da Antologia, começa metapoético, ou seja nos convidando a adentrar no "Templo das Palavras" (página 46) - naturalmente como se fosse um ato religioso, sagrado, meditativo - "Já que a palavra não traduz teu sentimento" e também "por não saberes expressar o que tu sentes", o poeta humildemente pede, então "Entrai, irmão!//Entrai...".
Está formada a confraria dos poetas da Antologia Versos Para a Liberdade.
E segue Jorge Leite, questionando a fome pelo viés cultural e bíblico, no poema Infâmia (p. 47), com aquilo que eu poderia chamar (aproveitando uma palavra do poeta) de "dioptria poética", um verdadeiro jogo de suposição até afirmar "negando" como nos versos finais desse poema "Ele não deveria olhar de forma incisa/Que dilacera qualquer conhecimento de vida".
Essa Dioptria Poética aparece no poema Eu só Queria o Universo (cuja resposta está na alteridade do simples tu, ou seja o outro eu -dramático do poema é que pode dar esse universo). E tudo isso não é nada complexo, é apenas poético, é simplesmente a poética de Jorge Leite que se manifesta em "Decompositor" - e como o título está dizendo não é composição e sim de-composição, - não no sentido corrosivo do termo, e sim como compreensão das coisas; "Aspirei os pólens da minha esperança/E transpirei em meus poros, a desilusão".
(E aqui, abro o parênteses: interessante o jogo de palavras entre "poléns e poros").
E essa minha leitura bate com o poema Minha Estátua no qual o poeta "descolado/Descontextualizado" cria a sua estátua (o poema) que apenas "chora, chora... a se lamentar" (p. 54).
O sexto poeta da Antologia, Silvio Garcia, apresenta uma poética minimalista, quase aforismática ou haicaísta, e sempre prosaico como nos poemas Dona, Perdição, Primavera, Poesia, Nascer de Um Mundo, Enigma, Jasmim.
O sétimo poeta da Antologia, Lenoir Alves Campos da Cunha, com apenas cinco poemas, consegue retratar a miséria urbana da nossa capital, e o autor tem predileção pelo Ver-O-Peso, quando no poema Doze Badaladas descreve com imagens a fome, de forma diferente do colega de Antologia, o Jorge Leite, na verdade, Lenoir expõe a violência com "violência", como um diário do "caos citadino", tecendo a "Cidade como um jardim petrificado" (p. 71), como "Humilde poeta" (p.72).
E, o oitavo poeta da Antologia, Genésio Gomes dos Santos, no poema Brinde, retorna à metapoesia do colega Jorge Leite, quando adentra até a uma sinestesia da palavra "O verbo em chama/na prosa que quer sair./A palavra ama/Um tira gosto de versos/ Em goles diversos/Na outra que quer pedir!
Tudo no crédito da poesia/ Por que viver.../Só se for embriagado de fantasia"
Eis a minha breve contribuição como leitor, lembrando que não foi minha intenção fazer uma análise detalhada de cada poema, e sim apresentar a minha leitura.
Recomendo, portanto:
VERSOS PARA A LIBERDADE, Antologia Poética. Madalena de Jesus [et al.]. 1ª Edição, Belém, PA: Paka-Tatu, 2023.
Meus parabéns vcs fizeram por merecer a união faz a força,e o companheirismo nesse novo espaço da poesia brasileira nesse linguajar popular bravo !
ResponderExcluirObrigado pelo comentário.
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