Imaginem a sensação do escritor ao pensar em escrever para criança.
Por onde começar? Qual assunto tomar? Qual a linguagem certa para um público tão exigente?
E como deve o livro ficar? A capa? As cores? As imagens? As ilustrações? - afinal a literatura infantojuvenil se caracteriza justamente pelo uso das ilustrações, desenhos, traços - como diria Van Gogh, tudo começa com um traço.
O escritor paraense Leonam Gondim da Cruz Júnior encontrou a fórmula: ele escreve do que ensina a vivência no dia a dia.
É a vida a grande mestra na difícil arte de escrever para criança.
Parece que livro escrito por Leonam Cruz surge do fundo do quintal, da experiência própria como autor, aquele que diz Umberto Eco ser, como os generais romanos, um conquistador de terras para o Império, e aqui o Império - volto a frisar - é sempre a difícil arte de escrever para criança.
Um autor para criança é aquele que sabe conquistar o coração do jovem leitor, o coração de uma criança.
Dos livros que já li de Leonam Cruz, todos ilustrados pelo professor e aquarelista Mário Baratta, há um que gosto muito por justamente colocar a figura do poeta na alma de um Bem-Te-Vi - e aliás esta é uma característica de seus livros, as personagens estão próximas das crianças a ponto de ser essa uma cena de integração de dois seres mágicos: as crianças e os animais.
"A criança é a fase mais pura do ser humano" é a ilustre tese que permeia a obra infantojuvenil de Leonam Cruz, tudo por um mundo que "deveria ser de acordo com os olhos de uma criança", alerta o escritor.
Pelo menos em três de seus livros, Luce e o Passarinho, O Grilo Zinho e O Nome do Bem-Te-Vi, a situação é de que as histórias para crianças acontecem realmente bem pertinho da gente, e por que não com a gente mesmo?
"Luce é o meu melhor amigo e estou certo que ele assim me considera" em uma expcepcional história de amizade entre um menino e seu cão, amizade que se desdobra quando o cachorro resolve compartilha sua comida com um novo amigo, um bem-te-vi que vinha comer a ração na vasilha do melhor amigo do homem.
E Luce não espanta o intruso bem-te-vi e sim o observava de longe com total anuência e simpatia pelo esfomeado amiguinho alado.
E por falar em amizade é assim também que um reles inseto passa a ser amigo de um menino que "da janela do meu quarto, olhando o mar" percebeu a chegada de mais um amigo, um grilo (que dizem os chineses, traz muita sorte) - e foi assim que o grilo passou a ser amigo e amuleto da sorte daquele menino.
O menino era poeta e o grilo era cantor, filho de não menos do que um tal de Grilo Caruso que ensina a seu jovem filho cantor que, para arranjar namorada, tem que cantar bem alto.
Grilo Caruso ensina a cantar como Caruso, adicionado de Sinatra, mas não adianta nada "se não botares mel nessas asas!" - dizia a não menos sábia, a Mãe Grilo, reforçando o ensinamento mais belo que pode haver de dentro de um lar: a arte de amar.
E o Grilo Zinho cantava tão bem que as crianças da redondeza vinham trazer comida para ele. E imaginem o que criança pode trazer para dar de comer a um grilo cantante!
E o nosso herói não queria comer e sim apenas cantar! Até conquistar uma bela grilinha, uma conquista nada fácil, pois havia aprendido a cantar alto, pelo lado do pai, e na modulação certa, pelo lado da mãe, afinal "bastava ser ele mesmo".
E assim foram felizes para sempre, pois aprendeu com o pai a cantar, e com a mãe a ter o tom certo da melodia, sem precisar ir longe, bastando ficar à porta de um lar.
Por sua vez, no livro O Nome do Bem-Te-Vi, novamente o menino-poeta em companhia de seu amigo Luce, o cão, amigo dos pássaros, - esses dois personagens resolvem filosofar em torno do verdeiro nome do Bem-te-vi.
E mais personagens se unem à etimológica aventura: um gato, um sabiá-laranjeira, um João-de-Barro, dona Garça, um Beija-Flor, um Curió, os periquitos, um tucano - todos esses ensaiam dar nomes variados de acordo como viam e enxergavam o Bem-te-Vi, e foi o protagonista da história que resoveu o enigma e voou direto ao assunto:
"[...]
Eis que o personagem central
Desta brincadeira, O Bem-Te-Vi,
Apareceu num belo voo rasante,
Exibindo sua figura marcante: cabeça preta,
Pescoço branco, barriga e peitos amarelos,
Tons vivos que lhe dão uma coloração
Alegre e encantadora.
Altivo e bem humorado,
Pronunciou-se:
Meus amigos,
Ouvi toda a conversa de vocês,
E estou aqui para eliminar suas dúvidas.
Sou um pássaro belo e charmoso,
Que a todos encanto, também
Conhecido como Pituã, Pitanguá ou Pitaguá,
Porém, meu nome está no meu canto!
Descobriram o verdadeiro
Nome do Bem-Te-Vi?”
E assim como o poeta, "meu nome está no meu canto", a charada foi resolvida.
Somos aquilo que fazemos, somos aquilo que escrevemos, somos o que cantamos e quando cantamos nomeamos quem somos e escrevemos nossso nomes no ar.
Simples assim.
Recomendo:
CRUZ JÚNIOR, Leonam Gondim da. Luce e o Passarinho: Belém, PA: Edição IEL (Instituto Euvaldo Lodi), 2020.
______. O Grilo Zinho. Belém, PA: Edição IEL (Instituto Euvaldo Lodi), 2020.
______. O Nome do Bem-Te-Vi. Ilustração Mário Barata. Belém PA : Marques Editora, 2022.
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