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CAMÕES 500 ANOS

Inicio hoje uma série de homenagens ao maior poeta da língua portuguesa.

















O Argonauta Renascentista.


Um poeta não precisa falar muito para dizer tudo. Um poeta não precisa viver muito para viver tudo. 


Um poeta pode fugir de tudo menos do seu tempo.


Dizem que ele nasceu em várias cidades de Portugal que hoje reclamam seu natalício. 


Dizem também que ele morreu aos 56 anos.


Outros dirão que viveu mais um pouco.


Morreu como indigente, enterrado em uma calçada, a Calçada de Sant' Ana.


Um poeta não precisa saber com precisão as coisas, ele tem apenas o dom de transformar o instante em eternidade.


Seu pai escalava as janelas gradeadas de um convento para jurar amor à mãe daquele que seria o poeta-mor da língua portuguesa.


Dizem que a família é de origem galega, daí um de seus famosos versos ter o traço da duplicidade de "avorrecida" ou a pronúcia "aborrecida".


"No mar, tanta tormenta e tanto dano/Tantas vezes a morte apercebida/Na terra, tanta guerra tanto engano/tanta necessidade avorrecida" (Os Lusíadas, I, 106).


Ou outros e outros, como "Busque Amor, novas artes, novo engenho/Pera matar-me e novas esquivanças..."


Esse "Pera" também é trocado atualmente por "para" - preposições da geminada língua galego-portuguesa, idioma nascido entre dois rios (o Douro e o Minho) que depois se espraiou aos quatro cantos do planeta.


Um poeta só precisa sentir a língua do seu povo e escrever o que a gente sente e fala. - Todas as palavras da língua portuguesa passaram pelos versos de Luís Vaz de Camões. 


Toda a história e o futuro de Portugal estão na lira e no épico camoniano.


Em sua juventude, nadou no Mondego (o rio claro - do latino "mundus") e estudou Astronomia, Antiguidade, Petrarca e a Humanidade invulgar de antanho em Coimbra.


Dizem que ele depois de arruaças foi preso, e no "Tronco de Lisboa", por nove meses havia de projetar a epopeia portuguesa. 


Na vida boêmia, compensou um amor não correspondido (namorou simplesmente a filha de Dom Manuel, o Venturoso) e assim "autoexilou-se" no Oriente, - afinal como o seu nome Luís diz ser Luso, e Luso era filho de Baco - o dionisíaco deus do vinho - e Lusitânia era a sua nascedoura e antiga pátria.


Pátria de humanistas, de filólogos e de poetas.


Provou o mar gelado em um naufrágio, salvando Os Lusíadas em um dos braços (e provavelmente nos dentes).


 - Épica é a vida do longo Século de Ouro, que se recusou a acabar em Alcacer-Quibir.


Nenhum outro dos grandes poetas europeus da época viveu a tricontinentalidade de Europa, África e Ásia.


Chegou a viver com roupas doadas por amigos em Moçambique, ainda deslumbrado da riqueza oriental. 


A riqueza da "Goa Dourada" - a Roma do Oriente.


De Goa a Lisboa era o seu navegar.


Antes, no Marrocos, como soldado, perdia o olho ao içar ao vento a bandeira do Império (assim o diz o filme de Leitão de Barros) - hoje, a Rua Camões é a principal em Ceuta.


Naufragou às costas chinesas, e ali aprendeu o Desconcerto do Mundo.


Escreveu o que viveu e escreveu não porque é literatura e sim porque é a vida - a vida que viveu.

 

E ainda ouvimos na Amazônia Lusitana ecos das falas do povo marujo que aqui desembarcou: navegadores, comerciantes, jesuítas, degredados e aventureiros.


Morreu em um 10 de maio de 1580. E com ele, o império que se unia pouco depois à arquirrival, na diplomática "União Ibérica".


10 de maio que é feriado nacional em Portugal - Dia do Poeta - Dia da Língua Portuguesa - Dia de recordar a última nau lusitana.


A nau criada por Luis Vaz de Camões é a Lusofonia, - Dia de lembrar a língua de Camões em todos os países falantes do idioma de Os Lusíadas.


(Benilton Cruz - professor da UFRA e membro da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará, cadeira 11, patrono Mário de Andrade, correspondente da AIMI - Academia Internacional de Maçons Imortais).

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