A história que eu vou contar para vocês vem do município do Acará, cidade do norte brasileiro, pertencente à microrregião de Tomé-Açu, distante 121 Km da capital do estado, com um tempo estimado de duas horas e trinta minutos pela Alça Viária.
A cidade também se chama São José do Acará, e por conta disso, encontramos a discreta igreja de São José no "coração" da cidade, na praça central, onde se observa a parte elevada de Acará, aliás, o município tem um relevo assim, de "ladeiras" como dizem os acaraenses, em torno de 55 mil que vivem, a maior parte, na zona rural.
E essa é uma característica de Acará: a população se concentra na zona rural, no trabalho do agronegócio, na produção de farinha, e outras atividades do campo.
Depois da aula sobre a Etnopoesia, do curso de Letras à turma de 2021, quatorze alunos apenas, na Escola Shalon, antiga Nossa Senhora de Nazaré, perguntei-lhes se conheciam alguém que contasse histórias de encantarias, soubesse de cantorias, hinos religiosos, pontos, bendições, rezas, mitos, lendas e outros mistérios.
Foram categórigos: - Professor, procure a Dona Nena, na segunda rua depois do porto da balsa, ali na beira, junto ao rio Acará!
- Ótimo, disse eu, vou conversar com ela.
Fui com a Dona Nena, em um sábado de manhã, entrevistá-la sobre os mistérios da Amazônia.
Ali na sua humilde casa de madeira, fui muito bem recebido, e à porta, ainda, me disse que quando criança ela havia sumido por quatro anos da beira de um igarapé.
Perguntei novamente: - me explique isso melhor, Dona Nena!
- Quando eu tinha três anos, eu estava na beira de um igarapé lá para as bandas de Benevides (perto de Belém), para onde minha mãe e meu pai me trouxeram, vindos do Ceará. Ali estava eu um dia perto desse igarapé quando veio uma senhora, me colocou no seu colo e disse feche os olhos, e eu então fechei os olhos, mas eu nem tanto fechava, e via que estava indo para dentro do igarapé, e ela insistiu: feche bem os olhos, fechei os olhos, sentia que mergulhava no rio, e então foi quando abri os olhos e vi que estava em um lugar chamado Encantaria, ali eu fiquei por quatro anos, não sentia medo, nem fome ou sono, eu via Dona Mariana, dizer, - fique aqui curumim, falou para um indiozinho, com ela que eu vou caçar, e então lá vinha Dona Mariana com caça e não havia fogo ou lenha, eles comiam com os dentes, rasgando a caça e aquilo não me assustava - dizia Dona Nena.
Fiquei ali naquele lugar por quatro anos, não via o tempo passar, não via paredes e nem telhados, lembro apenas de um matagal imenso, muitas luzes estranhas girando em círculos, assim era esse lugar chamado Encantaria.
Depois, lembro que a Dona Mariana, uma senhora muito bonita, de longos cabelos reluzentes, pediu novamente para eu sentar em seu colo, e fechar os olhos, foi quando estava de volta ao mesmo lugar de onde desaparecia, e vi então minha mãe ali, só que ela estava diferente, estava mais velha, e ela chorava e me abraçava, disse que vinha todo dia me procurar onde eu havia desaparecido. Eu falei, mãe, a senhora tá diferente, parece uma visagem, é a senhora mesmo? Se a senhora é uma visagem, eu não quero ir com a senhora, não! Foi quando percebi que ela não estava mentindo, e falava com o coração, sofrido por me esperar tanto tempo, todo dia, na beira daquele igarapé.
Ela me abraçava e chorava.
E Dona Nena prosseguia: - costumo lembrar até de quando chamava minha mãe ou meu pai na barriga ainda da minha mãe.
E eu questionava a Dona Nena: de onde vem essa memória? E ela me respondia, foi dom de Deus e depois que Dona Mariana me levou a esse lugar chamado Encantaria passei a ver e a saber de coisas que as pessoas não sabem, passei a curar e atender demandas e graças a Deus todo mundo consegue o que quer quando vem comigo (e ela sussurra - "Não sou eu quem cura, é Deus). As pessoas vêm naturalmente aqui, em casa, elas deixam galinhas, frutas, e pagam por alguns serviços, pelo material que é preciso fazer para curar uma pessoa ou realizar uma demanda, da minha parte eu cobro apenas para me ajudar a viver aqui, com meus cinco filhos e os netos, que nem sei quantos são, tive dois maridos e nenhum me ajudou a colocar um prego nesta casa e também nunca obriguei ninguém a me dar nada, nem meus filhos e nem meus netos.
E a senhora, lembra um trecho ou uma passagem de um canto à Dona Mariana?, - e ela diz que está com a garganta rouca depois de cantar boa parte da noite de ontem, e mesmo assim, ela faz uma pausa, demora uns segundos, e começa:
Boa noite, povo,
Com Deus e Maria,
Cheguei agora,
Boa noite povo,
Eu vim para trabalhar,
Foi meu pai que me mandô
Boa noite, Boa noite
Boa noite, povo
Cheguei agora
E vim aqui para trabalhar.
Depois a voz dela vai sumindo, que eu não consigo distinguir os versos da bela cantoria, sua voz se desapega do corpo franzino da Dona Nena, e parece flutuar em um espaço da própria cantoria, ouço a melodia e ainda sinto a essa estranha e distante poesia, cheia de mistério como se me levasse momentaneamente ao enigmático Reino da Encantaria.
Diz a Dona Nena, me fazendo lembrar, que quando voltou de lá do fundo do igarapé, no colo de Dona Mariana, ela ganhou um maracá com sete penas, uma cinta e uma liga, como presente e que ela deveria usar para seguir na sua profissão de curandeira, conselheira e devota de Dona Mariana, a quem ela chama de "minha chefa".
Que iniciativa maravilhosa! Obrigada professor Benilton Cruz , pelo diferencial , em sua curta passagem por nossa cidade, trouxe ao conhecimento de muitos essa curiosa história com riqueza de detalhes que não ficarão perdidos em meio ao tempo, e ainda, muitas curiosidades sobre o nosso Acará.
ResponderExcluirEssas pessoas, como Dona Nena, conhecem a fundo a Amazônia, esse enigmático Portal de cura, magia, encanto e sabedoria.
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