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A CHAMADA DO MESTRE CAIANO

Vou abordar hoje mais um tema da espiritualidade na Amazônia: a invocação ao mestre Caiano.


Essa chamada é o pedido para que seja bem-sucedido, ordenado, disciplinado, o ato religioso de se beber a Ayahuasca.


Trata-se de uma oração cantada, discreta, que revela o respeito a uma linhagem anterior de mestres e o primeiro deles é reverenciado. 


Caiano foi o primeiro oasqueiro, e assim em sua memória é preciso pedir licença.


No ritual da Ayahuasca, tudo é organizado como um cosmo primordial, cuja instância primeira é a floresta.


Estamos falando de uma religião amazônica, nascida entre a conexão de homem selva e astral.


E antes do efeito do vinho das almas, é preciso pedir licença ao mestre primeiro, e aos poucos  a bebida vai revelar quem você é.


Uma das coisas mais interessantes na ritualística da Ayahuasca, no caso específico, da linha de ensinamentos do mestre Gabriel, é a memória.


Para receber a bebida como uma iniciação é necessário tomar na verdade o nome do "primeiro Oasqueiro", aliás invocar um nome que existe na tradição do vinho das almas, para que seja aberto o caminho de todo um processo de autoconhecimento que o vegetal  proporciona. 


A Ayahuasca potencializa a consciência.


Abaixo, a cantoria que é invocada de maneira singela e ao mesmo tempo meditativa, na medida certa de cada palavra entoada: é a chamada de abertura dos trabalhos.



A CHAMADA DO MESTRE CAIANO

 

Caiano, mestre Caiano

É o primeiro Oasqueiro

Um hum

Eu chamo Caiano,

Chamo a borracheira

Eu chamo Caiano

Chamo a borracheira

 

Caiano, mestre Caiano

É o Oasqueiro sem fim

Eu chamo o Oasqueiro

Clareia seus caianinhos

Eu chamo o Oasqueiro

Clareia seus caianinhos

 

Caiano, mestre Caiano

É quem é a luz do caminho

É a escada do vegetal

Os degraus é seus caianinhos

 

Caiano, mestre Caiano

Vem ver a luz verdadeira

Clareia seus caianinhos

Todos pedem a borracheira

 

(Transcrição : Benilton Cruz)



E quem são os "caianinhos"?

- São os iniciados, aqueles que estão ali para beber e receber a luz, e ao mesmo tempo, pedir licença à "borracheira", ou seja, o transe que a bebida proporciona ao encontro com o experiências místicas, o "degrau" para o conhecimento de si: a única maneira de enfrentar o mal.

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