Por algum tempo, fui instrutor de poesia, e ministrei as "oficinas da palavra" a fim de mover o segredo da poesia e consertar o verbo aceso da criação.
Surgia, então, a POESIA NASCE NO OLHAR, e distribuía entre os participantes, a maioria, crianças e adolescentes, os textos abaixo.
Ministrei esses cursos na Casa da Linguagem, na UFPA, ainda como estudante de Letras, na
própria Universidade, e em muitas outras oportunidades, como em Encontro de Estudantes, a nível nacional e estadual, e em escolas públicas, pela prefeitura de Belém.
Iniciava com o mito de Orfeu, o poeta-cantor, para mostrar que a inspiração está diante daquilo que perdemos.
A poesia é como a morte, desde que velada e musicalmente encantadora de uma noção de perda e de ressignificação que nos remetem à vida.
Depois, aguçava a curiosidade pela imagem e pelo som. Pedia sempre para esquecerem o significado! (Alguns poemas em espanhol para notarem a música de outro idioma).
Sintam o som, A melodia, o acorde, a estranha música das palavras.
E olhem! A poesia nasce no olhar!
- Só se enxerga o mundo com os próprios olhos!
A lira de Orfeu
Orfeu desceu ao mundo das trevas e ali pediu aos deuses infernais que o deixassem ressuscitar a esposa ao som de sua Lira.
Emily Dickinson.
No alto da montanha
A água surge
E se precipita
Ir
Ter onde Isto
é aconselhável diz
o Velho Rei
e ri
(Max Martins)
[Sobre o tamanho do sol] da largura de um pé humano.
HERÁCLITO
LIRA LXXII
Primera voz
Las ondas tienen vaga armonía,
las violetas suave olor,
brumas de plata la noche fría,
luz y oro el día,
yo algo mejor,
! yo tengo Amor!
Gustavo Adolfo Bécquer
GAZELA DA MORTE OBSCURA
Quero dormir o sono das maçãs,
fugir do tumulto que há nos cemitérios.
Quero dormir o sono do menino
que queria cortar seu coração em
alto-mar.
Não quero que me repitam que os mortos
não perdem o sangue;
que a boca impaciente continua a pedir
água.
Não quero inteirar-me dos martírios que
a erva nos dá,
nem da lua com boca de serpente
que trabalha antes do amanhecer.
Quero dormir um pouco,
um pouco, um minuto, um século;
mas saibam todos que ainda não morri;
que em meus lábios há um estábulo de
ouro;
que sou o querido amigo do vento Oeste;
que sou a sombra imensa das minhas
lágrimas.
Cobre-me com um véu ao amanhecer,
pois vai atirar-me mãos cheias de
formigas,
e com água dura molhar meus sapatos
para mais deslizar o ferrão de seu
lacrau.
Porque quero dormir o sono das maçãs
para aprender um pranto que me limpe de
terra;
porque quero viver com o menino obscuro
que queria cortar seu coração no
alto-mar.
Garcia Lorca
As
Palavras Ressuscitarão
AS PALAVRAS envelheceram
dentro dos homens
Separadas
em ilhas,
As
palavras se mumificaram na boca dos legisladores;
As
palavras apodreceram nas promessas dos tiranos;
As
palavras nada significam nos discursos dos homens públicos.
E o
Verbo de Deus é uno mesmo com a profanação dos homens de Babel,
Mesmo
com a profanação do homens de hoje.
E, por
acaso, a palavra imortal há de adoecer?
E, por
acaso, as grandes palavras semitas podem desaparecer?
E, por
acaso, o poeta não foi designado para vivificar a palavra de novo?
Para
colhê-la de cima das águas e oferecê-la outra vez aos homens do continente?
E, não
foi ele apontado para restituir-lhe a sua essência,
E
reconstituir seu conteúdo mágico?
Acaso
o poeta não prevê a comunhão das línguas,
Quando
o homem reconquistar os atributos perdidos com a Queda,
E
quando se desfizerem as nações instaladas ao depois de Babel?
Quando
toda confusão for desfeita,
O
poeta não falará, do ponto em que se encontrar,
A
todos os homens da terra, numa só língua – a linguagem do espírito?
Se por
acaso viveis mergulhados no momento e no limite,
Não me
compreendereis, irmão!
Jorge
de Lima
MENTE,
POETA
Mente,
poeta! A vida apenas vale
Pela
mentira que nos faz feliz.
Que
nunca jamais teu verso cale
A
mistificação
Ou
a burla que desdiz
A
dúvida infernal de um coração!
Mente,
poeta, mente! Não existe
Isso
a quem chamam de sinceridade.
Gargalha,
se tua alma chora triste,
E,
se vives em grande alacridade,
Põe
soluços nos versos que escreveres.
Faze
de engano a trama que teceres!
O
poeta é uma aranha, e as emoções
Dos
que o lêem, inseto multicores
Que
se deixam ficar nas suas dores,
e alegria,
na sua ventura ou pena,
pelo
invisível fio das ilusões
que
existem no aranhol de algum poema.
Mente!
A mentira, qual couraça,
Abrouquela
e defende o nosso sonho
Nesse
combate hórrido e medonho
Que
a existência é. Mente e, empós, pássa!...
Hão
de seguir-te bençãos e evoés!
O
que ganhou Moisés
Em
ser sincero? Morrer sem Canann
A
verdade é malsã.
Lembra-te
de Jesus!
Foi
ela que o pregou naquela cruz.
Mente,
poeta! Desfolha os malmequeres
Das
estrofes falsas que criares
Sobre
o colo de todas as mulheres
Que
amares!
As
mulheres, que são?
Uma
linda mentira em encarnação.
Mente
às tontas, a esmo...
A
todos e a ti mesmo!...
Se
és casto, louva o vício!
Se
és bom, prega a maldade!
Se
amas, nega o amor!
Egoísta,
aconselha o sacrifício!
Mísero,
canta a felicidade!
Feliz,
descreve a dor!
Faze
de engano a trama que teceres!
Que
nunca a burla a tua lira cale,
Pois
a verdade mais límpida não vale
Dos
versos que escreveres!
Antonio
Tavernard (1931)
POEMAS
Anacreonte
(séc. VI a.C.)
ODE da sua lira
(Tradução
de A. F. de Castilho)
De
Átridas os feitos, de Cadmo os
louvores
tentei celebrar;
e a
lira rebelde só cantos de amores
me quis entoar.
Impus-lhe
outras cordas... trabalho
perdido!
A lira troquei;
aos
feitos de Alcides e a nova
convido...
e Amor, lhe escutei!
Adeus,
grandes homens! Buscai
noutra lira
o vosso louvor!
A
minha não sabe não pode suspira
só cantos de amor.
*
Fragmentos
de Safo de Lesbos (c. 625 e 580 a.C)
Em
trono de cores e brilhos, Aphrodite
imortal! Filha de Zeus, ó Tecelã de Tramas
eu
te suplico: não dobres a dores e mágoas,
ó
Soberana, meu coração,
_______
mas
vem até mim, se jamais no passado
ao
longo ouviste meu grito, e atendeste,
e
do teu pai o palácio deixando,
de
ouro, vieste,
_______
no
carro atrelado: belos pardais
velozes
te levaram pela terra sombria,
asas
rápidas, turbilhonantes, dos altos céus,
através
dos ares,
_______
e
prontamente chegaram; e tu, Bem-Aventurada,
com
um sorriso no teu rosto imortal,
perguntaste
por que eu sofria de novo,
e
por que de novo eu suplicava,
_______
*
a Lua já se pôs,
e as Plêiades; é meia-
noite; a hora passa
e eu
deitada estou
sozinha
Cantiga medieval em galego-português
Autor: R. Afonso. (século XII.)
I
Ó mia senhor,
que é tan fremosa
tan pura rosa,
rosa de amor de gran frescor
digasde mi, se
esta mia pena
non é pena vã
senhor mia loiçã
que pena vã, é
má ventura
ó mia senhor
vos dar quer eu
todo o meu
amor.
II
O amor que
arde em mi agora arde em ti
assim leda
vais assim ledo vou eu
ao lado teu
como trovador
senhor d’amor,
folgando esta ventura em flor
pra se viver o
nosso amor
III
O tempo passa
qual ladrón
o amor embaça
sem razón
ver-te não
quero, mas espero
pra meu grado,
teu agrado
renascer nos
olhos meus, ó santo Deus
que eram tão
teus, tristes, ó meu Deus
nunca non
vistes outros adeus
com
pensamentos de tormentos
se perdi pobre
de mim me acabará,
de puro amor
com tanta dor.
Mia senhor
assim morro eu de amor.
*
de O Livro das Ignorãças de Manoel de
Barros.
Descobri aos 13 anos que o
que me dava prazer
nas leituras não era a beleza
das frases, mas a doença
delas.
Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um
sujeito escaleno.
– Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável, o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em
meus receios.
O padre falou ainda: Manoel, isso não é doença, pode muito que você carregue para o resto da vida um certo gosto por nadas...
E se riu.
Você não é de bugre? – ele
continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em estradas –
Pois é nos desvios que encontra as melhores surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
agramática.
*
dresden 1984
franz flanzendörfer
dias despem-se da cor
escadas a baixo o cheiro
corpóreo da boca
nas ruas de homens a revolta
longe sempre adiante
pelo vento vem varrer
da terra enterrar sepulturas
à erva ficar mais dura.
(trad.: benilton cruz)
*
O RESTO SÃO AS PALAVRAS
Max
Martins
Fora
com esse mar
— Tu és um verso
apenas
cego e invertebrado
Sonho
de
alvaiada máscara
e
nada mais
Ou
menos: Laudas em vão
em
gretas
esse
mar de lá
De lápide
Que
sabes tu senão da geografia
(magra
até aos ossos)
do
deserto? Aqui todo começo
e
fim de tua viagem
pioneiro e
prisioneiro
do
teu próprio rastro
Atrás
da máscara
não
há rosto — há palavras
larvas de nada
A Aventura
Paulo Plínio Abreu
Eu te encontrei como quem
atravessa um corredor longo e de janelas fechadas
Como quem vem para a manhã
trazendo o sono enfermo das madrugadas.
Eu te encontrei
Como quem saiu da noite e
foi descalço até o mar para brincar nas pedras
Como quem sob a chuva saiu
para apanhar as açucenas,
e dormiu, nas grandes folhas
úmidas das árvores
ou como quem, perdido nos
caminhos,
de súbito encontrou o mar.
*
Fragmento do ALQUIMIA DO
VERBO de Rimbaud
(Trad.: Lêdo Ivo)
Inventei a cor das vogais! - A negro, E branco, I
vermelho, O azul, U verde. - Regulei a forma e o movimento de cada consoante, e
com ritmos instintivos, nutri a esperança de inventar um verbo poético que
seria um dia acessível a todos os sentidos.
*
Toda
manhã o orvalho pesa sobre as rosas,
Jasmins,
tulipas, mas o sol livra-os do fardo.
Toda
manhã meu coração pesa em meu peito;
Mas
teu olhar logo o liberta da tristeza
Omar
Khayyam
Quando
fores velha
Quando
fores velha, grisalha, vencida pelo sono,
Dormitando
junto à lareira, toma este livro,
Lê-o
devagar, e sonha com o doce olhar
Que
outrora tiveram teus olho, e com as suas sombras profundas;
Muitos
amaram os momentos de teu alegre encanto,
Muitos
amaram essa beleza com falso ou sincero amor,
Mas
apenas um homem amou tua alma peregrina,
E
amou as mágoas do teu rosto que mudava;
Inclinada
sobre o ferro incandescente,
Murmura,
com tristeza, como o Amor te abandonou
E
em largos passos galgou as montanhas
Escondendo
o rosto numa imensidão de estrelas.
William
Butler Yeats
Imagino como seria te amar
Teria o gosto estranho das palavras
Que brincamos
e a seriedade de
quando esquecemos
Quais palavras
Imagino como seria te amar:
Desisto da ideia numa verbal volúpia
E recomeço a escrever
Poemas.
Ana Cristina Cesar.
O sol
Diariamente, o sol amarelo vem por cima do monte.
Bela é a floresta, o animal sombrio,
O homem: caçador ou pastor.
Fulvo, emerge o peixe no lago verde.
Sob a curva do céu
Desliza levemente o pescador no barco azul.
Lentamente, amadurece a uva, o trigo.
Quando em silêncio, declina o dia,
Obras boas e más estão preparadas.
Quando chega a noite,
O viajante ergue levemente as pesadas pálpebras;
De sombrio abismo jorra sol.
LAMENTO
Sono e morte, as sombrias águias
Esvoaçam toda a noite ao redor desta cabeça:
A vaga gelada da esternidade
Engolindo a imagem dourada
Do homem. Em tenebrosos recifes
Despedaça-se o corpo purpúreo
E a voz grave lamenta-se
Sobre o mar.
Irmã de amotinada melancolia
Olha, um barco receoso afunda-se
Sob estrelas,
Sob o rosto silencioso da noite.
Georg Trakl
SONETO V
Garcilaso de la Vega
Quando eu era menino...
Quando eu era menino,
Um deus frequente me salvava
Da grita e do látego dos homens.
Em segurança eu brincava
Com as flores do bosque;
As brisas do céu
Vinham brincar comigo.
E assim como alegras
O coração das plantas,
Quando estendem os braços
Meigos para ti,
Meu coração alegraste
Também, Pai Hélio! E como Endimião
Eu era o favorito
Teu, sagrada Lua!
Oh vós todos, fiéis
Deuses amistosos,
Se soubésseis o quanto
Minha alma vos amou!
Não vos chamava eu então
Pelo nome, nem vós a mim
Pelo meu, como os homens
Quando se conhecem.
Mas eu vos conhecia
Como jamais aos homens conheci.
Eu compreendia o silêncio do Éter;
As palavras dos homens, não.
Educou-me a harmonia
Do bosque murmurantel
E aprendi a amar
Debaixo das flores.
Foi nos braços dos deuses que eu cresci.
(Friedrich Hölderlin)
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