ANTOLOGIA POÉTICA - ABAETETUBA
1. ABEIRANDO O LUAR
Garibaldi Nicola Parente
ALVORADA
Para Luiz Solano
Eu, eis-me aqui!
Personificando o que não sou.
Leva-me o vento no ventre
ao Engenho de cana doce.
Meu pai sol,
minha mãe lua.
Aqui a terra nua,
vem nutrir-me com tudo que trouxe.
Gira a moenda
moendo gira.
No fado e na lenda
canta e suspira
a história de um grande amor.
Ó minha ribeira
do rio celeste!
De tudo que trouxeste
não perdeste
do pé de cana a flor.
CINCO HAIKAIS
Verde clorofila
planto árvores seculares
animália em ti.
*
Ágrafo parágrafo
nuvens com vento de ti
colchete no céu.
*
Constelado amor
estelas vindas do além
fogo corpo a corpo.
*
A língua da mata
fala com os passarinhos
salvias flor a flor.
*
As chamas do beijo
focam no fogo brejeiro
labiais eretos.
BARCAROLA
Vou cantar a Barcarola
aviso as estrelas do mar.
E peço às estrelas do céu
que desçam a navegar.
No céu a estrela celeste
no mar a estrela marinha.
Uma de nuvens se veste
a outra no mar se aninha.
O mundo quer esplendor
mais amor o mundo quer...
Uma que brilha a outra não.
Céu e mar um só infinito.
Que juntas possam brilhar
no teu no meu coração.
2.
NO MEIO DO TEU CORAÇÃO HÁ UM RIO
Benilton Cruz
SEMEAREI O RIO
Semearei o rio
que é o lugar
onde posso ter
o verso que me
escapa,
e o tempo
que não quer ficar.
Semearei o rio
que é o lugar
onde a morte
detém-se
em alguma parte.
E, ligeiras, suas
águas movem
do tempo a fria
eternidade
que a deixarei
contigo
em alguma margem.
ABAETETUBA
I – Da chegada
Uma baía, uma tempestade, uma margem
A surgir qualquer miragem, uma promessa
E a segura terra, uma beira, a outra margem.
O primeiro abaetetubense salvou-se pela fé
E a cidade assim raiou
Sob um manto azul
Da Conceição-Mãe
- Imaculada
II – Cine Imperador
Já à tarde ia pelas ruas o carro e o alto-
falante
O filme mais esperado do ano
Sessão às 15, às 19 e às 21 horas.
O cinema começava na rua.
Depois lá do alto, outro alto-falante,
a sétima arte começava com música,
E ainda anunciava: “Cidade no fundo do Mar”
Como perder esse filme,
Se de um rio é feita esta cidade?
III – Ponte Italiana
Em forma de casulo
Ali, o ponto de encontro
À manhã para o café
À tarde para o banho
Ou o jogo de damas.
Havia ainda um resto de praia,
Futebol era jogar bola,
E a gente brincava entre pedras
Antes do sol se pôr como prata
Ou ouro.
IV – Praça da Matriz
A igreja severa e serena
Aponta para o céu
Como uma pequena montanha
Deus está no centro
E todos os caminhos levam
À Mãe-Maria.
Nesta praça há um cruzeiro
Ou um calvário
Gólgota de pedras
Entre velas e dinheiro.
V - Maratauíra
Vou decifrar um mistério: tudo é água.
E tudo passa, flui e reflui na volta. Este rio
ensina que é preciso passar.
Nada se repete, mas tudo pode retornar.
E agora, enquanto lês essa página,
As águas deste rio viram esta margem mudar
Ela é a própria sucessividade
E encontra o que não quer passar.
Entre o rio e a rua
- A cidade.
VI – Colégio São Francisco
Ali, no canto ao lado da igreja matriz
Depois da praça, para quem vem da beira
Antes da aurora, ainda, a manhã e a feira
Tio Mano ajeita o óculos na ponta do nariz
E cedo tem a testa mareada da vida
É mais um incansável, que, recurvo, fez esta
cidade
História que se conta e é impossível esquecer
Vende seus pastéis, caracóis, sucos e sonhos.
VII - Rua Justo
Chermont
A primeira rua toca o rio
E a terra insegura cede à correnteza
E ao raspar o aterro
O barro de novo no rio se dissolverá
Nesse diálogo a cidade se fez
Toda manhã, chega e parte alguém,
Seu Bernardino às seis em ponto,
Abre seu armazém de Ferragens.
- Todo dia essa rua quer ser um rio
E todo dia o rio quer ser essa rua.
Fotografia: Rosângela Aguiar
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