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GUARDA TEU CORAÇÃO


GUARDA O TEU CORAÇÃO
                              
                                      Dulce est desipare in loco
                                                                      HORÁCIO


I
O tempo vai vencer, Lidia,
E onde estarás quando escurecer?
Não haverá mais força para o canto
E à terra se inclinará a rosa.

O tempo vai dizer, Lidia,
Se teu esforço compensou
Em tua fronte o Louro
Ou a dor que nos amadurece
Em seu decidido vigor.

A queixa enfraquece o ânimo
e o canto fortalece –
Mas, saibamos que a todo fim
O silêncio resta
Como a esta palavra
Em tuas mãos como a leitura
Ou em tua boca como o roxo vinho.



II

Como a rosa que espera a dor
E é matutina
Assim, a beleza mora em ti
Como a melancolia

(Morro eu, Lidia, por um verso,
agora que dormes
sob o cansaço da fria lua)
Ensina-me uma lição a natureza: a chuva
Não cai toda de uma vez.
Assim, aos poucos eu
Reporto-me ao peito onde moras
Nesse grito como um brilho
Que mais não é a dispersão de estrelas
Também disperso fulgirei,
Pelo teu sorriso, que é um sol pequeno,
Como um deus atento, resumirei.

Dá-me o que me tomas
Dá-me o que me queres
Em todos o mesmo desejo
Por isso asseguro que a dor
É um limite como o prazer
Mais afoito – e eu no meio,
Sozinho vou, mas contigo.



III

Não confia nada a ninguém, Cloe,
Que nada dura na humana memória.
Só o coração é sepultura
Do que sentes na dor ou na ventura.

Portanto, evita o gládio
Dos amores e toma
O momento presente como verdade –
O mais, a névoa baça
Como a incerta esperança
Do mesmo sol do passado
Dourar as promessas do futuro.

Ao tempo só pertence este segundo
Que o perdes, Cloe.
Colheo-o enquanto passa.


IV

Deponho as armas, Lidia,
E te venero – que me atinge
O golpe mais fatal:
O coração que livre quero.

Não me perderei por outra
Breve esperança.
Vem! Que só irei repetir
Que a ti é certo,
Meus próprios cantos
Que por ti são meus versos.

Deponho o Louro, Lidia.
Se de que adianta ter a glória,
Mas não o Amor do teu alvo colo,
Onde mais feliz vivo
Que o rei da Pérsia.






V 

Não devemos esperar por nada, Lídia,
Nem pela morte, que é a nossa última perda,
Neste momento
Em que te encontro
Será o meu último;
Portanto, ficar contigo
É só a alegria de agora
Porque depois será memória,
Ou esquecimento.



VI

Guarda o teu coração,
Não o reveles a ninguém,
Pois, se o revelares
Já não mais será teu.

O coração é um segredo,
Onde o medo ou o desejo
Se abrem ou se fecham
Como desejo ou como medo.

O seu único defeito
É não acatar a razão,
a razão que do coração
não sabe dizer não.

Guarda o teu coração
Aqui, perto do meu.

Benilton Cruz



Foto: Praça Batista Campos, Belém PA, sob chuva, à noite, (Benilton Cruz)

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