Pular para o conteúdo principal

EXPRESSIONISMO ALEMÃO: TEATRO DAS SOMBRAS


Uma introdução e uma pequena seleção de poemas do Expressionismo alemão, traduzidos por João Barrento, no meu blog Amazônia Etnopoesia. No cinema, resumidamente, foi um teatro das sombras; na pintura, a melhor definição está com Edward Munch: "eu pinto o que vi e não o que vejo", e na literatura foi a mais social das vanguardas.




                Corresponde a literatura, a pintura, a música, a gravura, o teatro e o cinema, produzidos na Alemanha entre 1906 a 1923. Sua origem está nos manifestos do grupo A Ponte (Die Brücke), jovens pintores, estudantes de arquitetura e leitores de Nietzsche. O Expressionismo firmou-se como uma arte contra o conservadorismo e o sentimentalismo do Impressionismo (que na Alemanha, não se manifestou satisfatoriamente) e contra a acomodação do homem diante de uma sociedade conturbada pela industrialização acelerada de nítida concentração de riqueza. 
               Foi a mais social de todas as vanguardas.
Algumas características do movimento, tanto na pintura como na poesia, são: visões apocalípticas como decadência, ocaso da civilização, guerra, fim de mundo, loucura e depressão – contrastando com levante, revolução, esperança, felicidade, metrópole, realidade, juventude, anonimato, novo tempo, novo homem - o próprio século XX.
O traço característico é a força da expressão nitidamente da crise e ao mesmo tempo da “inalienação” do espírito (em Trakl, seu maior poeta; em Kafka, seu maior escritor). O Expressionismo influenciou, no Modernismo do Brasil, a pintura de Lasar Segall, Anita Malfatti, Di Cavalcanti; e, os poetas Oswald de Andrade e Mário de Andrade. 

                                  Benilton Cruz





ANTOLOGIA DO EXPRESSIONISMO ALEMÃO

FRANZ WERFEL


Nasceu em 10 de setembro de 1890 em Praga. Freqüentou o liceu e datam desse tempo as primeiras tentativas poéticas. Fez estudos comerciais em Hamburgo. Em 1912 foi para Lípsia, onde se associou à editora de Kurt Wolff. Aí conheceu Walter Hasenclaver e Kurt Pinthus. Este três autores formaram o pólo de concentração de poetas da geração expressionista e de alguns da geração anterior. Entre 1915 e 1917 esteve na frente de batalha. Casou com Alma Mahler em Viena, e viveu em Breitenstein e Veneza.  Em 1921 recebeu o prêmio Schiller e em 1925 o prêmio Grillparzer. Em 1924 foi publicado o seu romance Verdi, que iniciou a série dos grandes romances pós-expressionistas. Foi obrigado a fugir para Paris em 1933. Escondeu-se em Londres, e  daí conseguiu escapar para a Espanha. Em 1940 partiu de Portugal para  Nova Iorque. Morreu em Hollywood em 1945. Com seu livro Der Weltfreund (O amigo do mundo) transformou-se num dos porta-vozes da geração expressionista pelo seu caráter de irmandade e companheirismo.


AO LEITOR
Franz Werfel

O meu único desejo, Oh Homem, é ter contigo afinidades!
Sejas tu negro, acrobata, ou repousas ainda no fundo seio maternal,
Quer o teu canto de virgem se ouça pelo pátio, ou manobres a tua jangada no brilho das trindades,
Sejas tu soldado ou aviador pleno de resistência e de ânimo vital.

Trazias também uma espingarda com banda verde a tiracolo, quando eras criança?
Ao disparar, saía do cano a rolha presa, sem perigo.
Homem, meu semelhante, quando eu canto a lembrança,
Não me resistas, vem desfazer-te em lágrimas comigo!

Porque eu passei por todos os destinos. E sei apreciar
O que sente a solitária harpista na banda musical,
O que sente a tímida governanta em estranho círculo familiar,
O que sente a debutante, tremendo ante a caixa do ponto teatral!
Eu vivi na floresta, fui funcionário do Estado,
Servi fregueses impacientes, andei curvado sobre livros de caixa,
Estive como fogueiro em frente de caldeiras, de rosto intensamente incendiado,
E, quando moço de fretes, comi restos de cozinha, e o que mais se acha.

Por isso, pertenço-te, e a todos os demais!
Peço-te que não tentes resistir!
Oh, quem dera, Irmão, que eu pudesse cair
Um dia nos teus braços fraternais.



AN DEN LESER

Franz Werfel

Mein einziger Wunsch ist, Dir, o Mensch verwandt
                                                                        zu sein!
Bist Du Neger, Akrobat, oder ruhst Du noch in tiefer
                                                                 Mutterhut,
Klingt Dein Mädchenlied über den Hof, lenkst Du
                                          Dein Floss im Abendschein,
Bist Du Soldat, oder Aviatiker voll Ausdauer und
                                                                               Mut.
Trugst Du als Kind auch Gewehr in grüner Armschlinge?
Wenn es losging, entflog ein angebundener Stöpsel
                                                                     dem Lauf.
Mein Mensch, wenn ich Erinnerung singe,
Sei nicht hart und löse Dich mit mir in Tränen auf!

Denn ich habe alle Schicksale durchgemacht. Ich weiss
Das Gefühl von einsamen Harfenistinnen in Kurkapellen,
Das Gefühl von schüchternen Gouvernanten im
                                                  fremden Familienkreis,
Das Gefühl von Debutanten, die sich zitternd vor den
                                                 Souffleurkasten stellen
Ich lebte im Walde, hatte Bahnhofsamt,
Sass gebeugt über Kassabücher und bediente ungeduldige Gäste.
Als Heizer stand ich vor Kesseln, das Antlitz grell überflammt,
Und als Kuli ass ich Abfall und Küchenreste.

So gehöre ich Dir und Allen!
Wolle mir, bitte, nicht widerstehn!
O, Könnte es einmal geschehn,
Dass wir uns, Bruder, in die Arme fallen!


           ERNST STADLER

    Nasceu em Colmar, na Alsácia, em 11 de Agosto de 1883. Estudou Germanística e Romanística em Estrasburgo e Munique, com uma licenciatura sobre Parzifal. Entre 1906 e 1908 esteve em Oxford. Em 1908 apresentou o doutoramento em Estrasburgo, dissertando sobre as traduções de peças de Shakespeare para alemão, por Wieland. A partir de 1910 foi professor na universidade de Bruxelas. Lecionou também em Toronto no Canadá. Foi chamado para o exército como oficial de artilharia e enviado para a frente de guerra. Morreu em combate, perto de Yper, em 30 de outubro de 1914. Foi um dos principais representantes da primeira fase da literatura expressinista, a que pregava o Novo Homem, cuja humanidade seria indiferente às classes sociais, daí o apelo à revolução interior.

A SENTENÇA

Ernst Stadler

Num velho livro topei com uma palavra escrita

Que como um choque me marcou e ilumina toda a

                                                                  minha vida:

E quando  me entrego ao prazer embotante,

E à essência prefiro a aparência, a mentira e o falso

                                                                        semblante,

Quando, de ânimo leve, a mim mesmo me engano com

                                                               pequenos nadas,

Como se fosse clara a escuridão, como se a vida não

                          tivesse mil portas brutalmente fechadas,

E repito palavras cuja vastidão eu nunca senti,

E agarro coisas cujo sentido profundo não vivi,

Quando com mãos aveludadas, o sonho benvindo me

                                                                         acaricia

E do real quotidiano me alivia,

Alienado do mundo, estranho à minha própria

                                                                     consciência,

Então ergue-se em mim essa palavra: Homem, torna à

                                                                      tua essência.



DER SPRUCH

Ernst Stadler

 

In einem alten Buche, stieβ ich auf ein Wort,

Das traf mich wie ein Schlag und brennt durch meine

                                                                    Tage fort.

Und wenn ich mich an trübe Lust vergebe,

Schein, Lug und Spiel zu mir anstatt des Wesens hebe,

Wenn ich gefällig mich mit raschem Sinn belüge,

Als wäre Dunkles klar, als wenn nicht Leben tausend wild

                                      verschlossne Tore trüge

Und Wort wiederspreche, deren Weite nie ich

                                                                ausgefühlt,

Und Dinge fasse, deren Sein mich niemals aufgewühlt

Wenn mich willkommner Traum mit Sammethänden streicht,

Und Tag und Wirklichkeit von mir entweicht,

Der Welt entfremdet, fremd dem tiefsten Ich,

Dann steht das Wort mir auf: Mensch, werde

                                                             wesentlich!



ALBERT EHRENSTEIN (1886-1950)

Filho de húngaros, nasceu em Viena; nesta cidade estudou História e Filologia, e licenciou-se em 1910. Publicou os seus primeiros versos na revista Fackel (O Facho). Através de Oskar Kokoschka ligou-se ao círculo da revista Der Sturm em Berlim e para lá foi viver. Depois da guerra, viajou pela Europa, África e Ásia e publicou nesta época poemas inspirados na lírica e prosa chinesas. Viveu a partir de 1932 na Suíça, e em Nova Iorque desde 1941; aí veio a morrer na maior pobreza. Segundo Oskar Maurus Fontana “Albert Ehrenstein... o homem e o poeta que em primeiro lugar visionou a ‘fuga sem fim’, e que não estava em parte nenhuma. Dos expressionsitas de Viena era ele o de escrita mais radical e de maior acribia de tom. Tal como foi, no todo da sua natureza, um inconformista, assim também foi  o seu expressionismo.”    


 

SOFRIMENTO

 

Como estou atrelado

À carroça de carvão da minha dor!

Repelente como uma aranha

Rasteja sobre mim o tempo.

Cai-me o cabelo,

Encanece-me a cabeça para o campo,

Para lá do qual ceifa

O último segador.

O sono ensombra-me os ossos,

Morri no sonho já,

Erva nascia do meu crânio,

Da negra terra era a minha cabeça.



LEID

Albert Ehrenstein

 

Wie bin ich vorgespannt

Dem Kohlenwagen meiner Trauer!

Widrig wie eine Spinne

Bekriecht mich die Zeit.

Fällt mein Haar,

Ergraut mein Haupt zum Feld,

Darüber der letzte

Schnitter sichelt.

Schlaf umdunkelt mein Gebein.

Im Traum schon starb ich,

Gras schoβ aus meinem Schädel,

Aus schwarzer Erde war mein Kopf.  





 O POETA E A GUERRA

Albert Ehrenstein

Eu cantei os cânticos da vingança em vermelho

                                                                        [rasgada,

E cantei o silêncio do lago de baías arborizadas;
Mas ninguém se juntou a mim,
Íngreme, solitário
Como a cigarra se canta,
Cantei o meu canto para mim.
Os meus passos vão-se desvanecendo, extenuados
Na areia do meu esforço.
Os olhos caem-me de cansaço,
Estou cansado dos desconsolados vaus,
De atravessar rios, mulheres e ruas.
À beira do abismo, não penso
No escudo e na lança.
Assoprado pelas bétulas,
Ensombrado pelo vento,
Adormeço ao som da harpa
De outros,
Para quem ela escorre alegremente.
Não me mexo,
Porque todos os pensamentos e ações
Turvam a pureza do mundo.


DER DICHTER UND DER KRIEG

Albert Ehrenstein


Ich sang die Gesänge der rot aufschlitzenden Rache,

Und ich sang die Stille des waldumbuchteten Sees;

Aber zur mir gesellte sich niemand,

Steil, einsam

Wie die Zikade sich singt,

Sang ich mein Lied vor mich.

Schon vergeht mein Schritt ermattend
Im Sand der Mühe.
Vor Müdigkeit entfallen mir die Augen,
Müde bin ich der trostlosen Furten,
Des Überschreitens der Gewässer, Mädchen und
                                                                          [Straβen.
Am Abgrund gedenke ich nicht
Des Schildes und Speeres.
Von Birken umweht,
Vom Winde umschattet,
Entschlaf’ ich zum Klage der Harfe
Anderer,
Denen sie freudig trieft.
Ich rege mich nicht,
Denn alle Gedanken und Taten
Trüben die Reinheit der Welt.

 

            JOHANNES R. BECHER

           

            Nasceu em Munique, e estudou filosofia e medicina em Berlim, Munique e Iena. Seguiu depois a carreira das letras. Ingressou no Spartakusband (liga espartaquista). Elemento ativo do partido comunista, com influências diretas da cultura russa. Emigrou em 1933 para Praga, e daí para Viena e Paris, vivendo na Ex-União Soviética de 1935 até 1945. Redator, em Moscou, da revista de emigrantes Internationaler Literatur. Regressa em 1945 a Berlim-Leste. Foi presidente da Liga Cultural para a Renovação Democrática da Alemanha, e desempenhou posteriormente outros cargos elevados. A partir de 1954 foi ministro da Cultura da República Democrática Alemã. Foi um dos mais ativos escritores socialistas. Morreu em Berlin, em 1958.

 

A NOVA SINTAXE

Johannes R. Becher


As bengáligas borboletas adjectivas
Envolvem no seu canto o substantivo de sublimes e
                                                                [pétreas estruturas.
Um particípio-ponte vai vibrar, vibrar!
Enquanto o ousado verbo, sonante aeroplano, se atira
                                              [em espiral para as alturas.

Dança de artigos agita airosa pernas bambolantes.
Em ritmadas risadinhas baloiça-se a platéia.
E eis que uma estrofe limpa, de metálico tom,
se solta do trapézio. A cadeia

de luzes de arco na rua desfaz-se em estilhaços.
Apesar da tão garrida dama e do seu sagrado vocativo.
Um jovem poeta faz argamassa de sujeitos.
Perfura o túnel do complemento...o imperativo

Eleva-se rápido. E varre fantástica paisagens do
                                                                         [discurso
sopra por sete tubas de Hidra. Tombam nuvens ao
                                                                              [fundo
e escorre azul. Investem montes couraçados.
Assim desabrochamos ao brilho da luz de Maio de um
                                                                    [sobremundo.


DIE NEUE SYNTAX

Johannes R. Becher

 

Die Adjektiv-bengalischen-Schmetterlinge

Sie kreisen tönend um des Substantivs erhabenen

                                                                  [Quaderbau.

Ein Brückenpartizip muβ schwingen! schwingen!!

Derweil das kühne Verb sich klirrend Aeroplan in Höhen schraubt.

 

Artikeltanz zückt nett die Pendelbeinchen.

In Kicherrhythmen schaukelt ein Parkett.

Da aber springt metallisch tönend eine reine

Strophe heraus aus dem Trapez. Die Kett

 

Der Straβenbogenlampen ineinander splittern.

Trotzt jener buntesten Dame heiligem Vokativ.

Ein junger Dichter sich Subjekte kittet.

Bohrt des Objekts Tunnel...Imperativ.

 

Schnellt steil empor. Phantastische Sätzelandschaft

                                                           [überzüngelnd.

Bläst sieben Hydratuben. Das Gewölke fällt.

Und Blaues flieβt. Geharnischte Berge dringen.
So blühen auf wir in dem Glanz mailichter Überwelt.

         

           GEORG TRAKL

Nasceu em Salzburg a 3 de Fevereiro de 1887, onde passou a infância. Seguiu a carreira de farmácia, depois de um estágio de três anos em Viena. Mais tarde ingressaria nos serviços farmacêuticos do exército. Entre 1912 e 1914 viveu principalmente em Innsbruck, em casa do amigo Ludwig von Ficker. No fim de Agosto de 1914 foi enviado para a frente de combate na Galícia. Mas o poeta não estava à altura de enfrentar os aspectos sombrios da guerra. Foi internado no hospital de Cracóvia, onde faleceu na noite de 3 para 4 de Novembro, depois de ter ingerido uma fortíssima dose de cocaína. Trakl teve uma existência agitada e nos últimos anos profundamente amargurada. Os primeiros contatos poéticos foram com Rimbaud, Baudelaire e Dostoiewsky. Teve com a irmã uma relação incestuosa, sendo ambos viciados em drogas. Possuía uma sensualidade exarcebada e uma religiosidade espontânea que são os fundamentos da sua poesia, em que estão patentes o medo do mundo, o sentimento da melancolia e aspectos de uma realidade demoníaca. Escreveu o poema mais completo do Expressionismo, “Grodek”, que fala dos horrores da Primeira Guerra. Modesto Carone destaca a autonomia das imagens visuais marcadas pelo uso original do adjetivo de cor.

 

O SOL
Georg Trakl

Diariamente, o sol amarelo vem por cima do monte.
Bela é a floresta, o animal sombrio,
O homem: caçador ou pastor.

Fulvo, emerge o peixe no lago verde.
Sob  a curva do céu
Desliza levemente o pescador no barco azul.

Lentamente, amadurece a uva, o trigo.
Quando, no silêncio, declina o dia,
Obras boas e más estão preparadas.

Quando chega a noite
O viajante ergue levemente as pesadas pálpebras;
De sombrio abismo jorra sol.



DIE SONNE

           Georg Trakl

Täglich kommt die gelbe Sonne über den Hügel.
Schön ist der Wald, das dunkle Tier,
Der Mensch; Jäger oder Hirt.

Rötlich steigt im grünen Weiher der Fisch.
Unter dem runden Himmel
Fährt der Ficher leise im blauen Kahn.

Langsam reift die Traube, das Korn.
Wenn sich stille der Tag neigt,
Ist ein Gutes und Böses bereitet.

Wenn es Nacht wird,
Hebt der Wanderer leise die schweren Lider;
Sonne aus finsterer Schlucht bricht.


LAMENTO
Georg Trakl

Sono e morte, as sombrias águias
Esvoaçam toda a noite ao redor desta cabeça:
A vaga gelada da eternidade
Engolindo a imagem dourada
Do homem. Em tenebrosos recifes
Despedaça-se o corpo purpúreo
E a voz grave lamenta-se
Sobre o mar.
Irmã de amotinada melancolia
Olha, um barco receoso afunda-se
Sob estrelas,
Sob o rosto silencioso da noite.




KLAGE
Georg Trakl

Schlaf und Tod, die düstern Adler
Umrauschen nachtlang dieses Haupt:
Des Menschen goldnes Bildnis
Verschlänge die eisige Woge
Der Ewigkeit. An schaurigen Riffen
Zerschellt der purpune Leib
Und es klagt die dunkle Stimme
Über dem Meer.
Schwester stürmischer Schwermut
Sieh ein ängstlicher Kahn versinkt
Unter Sternen,
Dem schweigenden Antlitz der Nacht.
         


             GRODEK
             Georg Trakl

Ao entardecer, as florestas outonais
Ecoam de armas mortíferas, e as planícies douradas
E os  lagos azuis, por sobre os quais rola
Um sol sombrio; a noite abraça
Guerreiros moribundos, o lamento selvagem
Das suas bocas destroçadas.
Mas, em silêncio, num fundo de salgueiros,
Juntam-se nuvens rubras, onde um Deus irado habita;
E o sangue derramado; e frescura lunar;
Todos os caminhos desembocam em negra podridão.
Sob dourada ramagem da noite e sob estrelas
A sombra da irmã vacila pelo bosque de silêncio,
Para saudar os espíritos dos heróis, as cabeças
                                                              [ensangüentadas;
e levemente, nos canaviais, soam as flautas sombrias
                                                                   [do outono.
Oh, dor orgulhosa! Vós, brônzeos altares,
Uma dor portentosa alimenta hoje a chama escaldante
                                                                     [do espírito,
Os filhos que ainda vão nascer.




          
                GRODEK
Georg Trakl

Am Abend tönen die herbstlichen Wälder
Von tödlichen Waffen, die goldnen Ebenen
Und blauen Seen, darüber die Sonne
Düstrer hinrollt; umfängt die Nacht
Sterbende Krieger, die wilde Klage
Ihrer zerbrochenen Münder.
Doch stille sammelt im Weidengrund
Rotes Gewölk, darin ein zürnender Gott wohnt
Das vergossne Blut sich, mondne Kühle;
Alle Straβen münden in schwarze Verwesung.
Unter goldnem Gezweig der Nacht und Sternen
Es schwankt der Schwester Schatten durch den
                                                      [schweigenden Hain,
Zu grüβen die Geister der Helden, die blutenden Häupter;
Und leise tönen im Rohr die dunkeln Flöten des Herbstes.
O stolzere Trauer! Ihr ehernen Altäre,
Die heiβe Flamme des Geistes nährt heute ein
                                                    [gewaltiger Schmerz,

                 Die ungebornen Enkel.
           


          ELSE LASKER-SCHÜLER


Nasceu em Elberfeld a 11 de fevereiro de 1869. Judia, casou-se em 1894 com um médico, em Berlim, o Dr. Berthold Lasker. Os seus primeiros poemas aparecem em 1899, na revista Gesellschft (A Sociedade), fazendo a sua estréia num círculo literário de Berlim. Entre 1901 e 1911 esteve casada em segunda núpcias, com Herwarth Walden, acompanhando o início da sua carreira literária e a fundação da revista Der Sturm. No período expressionista entrou em contato com a nova geração de poetas; conviveu com Gottfried Benn, Franz Werfel, Franz Marc, Georg Trakl e Karl Kraus. Em 1925 cortou relações com seus editores e depois disso poucas publicações suas apareceram. Recebeu o prêmio Kleist em 1932. Em 1933 fugiu para a Suíça. Fixou-se, mais tarde, na Palestina, onde viveu na maior miséria até a morte. A última publicação em vida é de 1943, com o livro de poemas Mein Blaues Klavier (O Meu Piano Azul). Morreu em Jerusalém, a 22 de janeiro de 1945 e foi sepultada no Monte das Oliveiras. Considerada a maior poeta do Expressionismo e uma das melhores de língua alemã. Seu tema é um só: os movimentos e os sofrimentos do amor em uma poesia espontânea, suave e melódica.


UMA CANÇÃO
Else Lasker-Schüler

Por detrás dos meus olhos há águas
Tenho que as chorar todas.

Tenho sempre um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.

Respirar cores com os ventos
Nos grandes ares.

Oh, como estou triste...
O rosto da lua bem o sabe.

Por isso, à minha volta há muita devoção aveludada
E madrugada a aproximar-se.

Quando as minhas asas se quebraram
Contra o teu coração de pedra,

Caíram os melros, como rosas de luto,
Dos altos arbustos azuis.

Todo o chilreio reprimido
Quer jubilar de novo

E eu tenho um desejo de me elevar voando,
E de partir com as aves migratórias.


EIN LIED
Else Lasker-Schüler

Hinter meinen Augen stehen Wasser,
Die muβ ich alle weinen.

Immer möchte ich auffliegen
Mit den Zugvögeln fort,

Buntatmen mit den Winden
In der groβen Luft.

O ich bin so traurig...
Das Gesicht im Mond weiβ es.

Drum ist viel sammtne Andacht
Und nahender Frühmorgen um mich.

Als an deinem steinernen Herzen
Meine Flügel brachen,

Fielen die Amseln wie Trauerrosen
Hoch vom blauen Gebüsch.

Alles verhaltene Gezwitscher
Will wieder jubeln

Und ich möchte auffliegen
Mit den Zugvögeln fort



DESPEDIDA
Else Lasker-Schüler


Mas tu nunca vinhas com a noite –
E eu sentada com casaco de estrelas.

...Quando batiam à minha porta
Era o meu próprio coração.

Agora pendurado em todas as ombreiras,
Também na tua porta;

Entre touros rosa-de-fogo a extinguir-se
No castanho da grinalda.

Tingi-te o céu de groselha
Com o sangue do meu coração.

Mas tu nunca vinhas com a noite –
... E eu de pé com sapatos dourados.


ABSCHIED
Else Lasker-Schüler


Aber du kamst nie mit dem Abend –
Ich saβ im Sternenmantel.

...Wenn es an mein Haus pochte,
War es mein eigenes Herz.

Das hängt nun na jedem Türpfosten,
Auch an deiner Tür;

Zwischen Farren verlöschende Feuerrose
Im Braun der Girlande

Ich färbte dir den Himmel brombeer
Mit meinem Herzblut.

Aber du kamst nie mit dem Abend –
...Ich stand in goldenen Schuhen.




JAKOB VAN HODDIS

(Pseudônimo de Hans Davidson). Nasceu em Berlim e estudou de 1906 a 1912 em Munique, Iena e Berlim, primeiro arquitetura e depois grego e filosofia. Fundou em 1909 o Neur Club (Novo Clube) do qual nasceu depois o Neopathetisches Cabaret (Cabaré Neopatético). A sua pequena estatura, que o atormentaria toda a vida, e suas paixões não retribuídas por Lotte Pritzel, e depois pela poetisa Emmy Hennings foram responsáveis pelos primeiros indícios de desequilíbrio psíquico, que se manifestaram em 1912. Depois de melhoras passageiras é internado em 1914, as suas perturbações continuam a agravar-se, e acaba por voltar a ser internado na casa de saúde Bendorf-Sayn em Coblença, da qual é levado em 1942, para ser morto, provavelmente, em uma câmara de gás de um campo de concentração nazista. Perdeu-se grande parte das suas poesias e quase toda a sua prosa. Os recursos poéticos utilizados por Hoddis levam a refletir sobre o papel do louco e da loucura na poesia, evidente no poema O Visiotário.


O VISIOTÁRIO
Jakob van Hoddis
(1918)

Lâmpada, não esquente.
Da parede saiu um braço magro de mulher.
Era pálido e tinha veias azuis.
Os dedos estavam carregados de preciosos anéis.
Quando beijei a mão, assustei-me:
Estava viva e quente.
Arranhou-me o rosto.
Peguei uma faca de cozinha e cortei algumas veias.
Um grande gato lambeu graciosamente o sangue do chão.
Entretanto um homem de cabelos arrepiados subiu
Por um cabo da vassoura encostado à parede.




DER VISIONARR
            Jakob van Hoddis
 (1918)

Lampe blöck nicht.
Aus der Wand fuhr ein dünner Frauenarm.
Er war bleich und blau geädert.
Die Finger waren mit kostbaren Ringen bepatzt.
Als ich die Hand küβte, erschrak ich:
Sie war lebendig und warm.
Das Gesicht wurde mir zerkratzt.
Ich nahm ein Küchenmesser und zerschnitt ein paar
                                                                          [Adern.
Eine groβe Katze leckte zierlich das Blut vom Boden
                                                                           [auf.
Ein Mann indes kroch mit gestäubten Haaren
Einen schräg an die Wand gelegten Besenstiel hinauf.





WILHELM KLEMM

Nasceu em Lípsia, filho de um livreiro; depois de cumprido o serviço militar, estudou Medicina em Munique, Erlangen, Lípsia, Kiel. Terminou o curso em 1905, e exerceu a sua profissão em vários lugares. Em 1909, ocupou-se da firma Otto Klemm, herdada de seu pai. Casou-se em 1912 com Erna Kröner. De 1914 a 1918 foi tenente médico da frente ocidental. Inicia-se uma atividade editorial em 1918, e em 1921 assume a direção da editora Kröner. Não publica  a partir de 1922. Foi perseguido pelos Nazis e teve seus negócios destruídos em 1943.



PROGRAMA
             Wilhelm Klemm

Não queremos poesia,
Queremos mágicas, artifícios,
Procuramos tapar na existência fatais vazios
E apesar de imenso esforço, uma atrofia.
Mas o que sabem vocês outros da secreta elevação,
Dos sagrados e histéricos soluços da garganta a chorar,
Quando, consumidos pelo haxixe da alma em imersão,
Beijamos o primeiro degrau, para além de cujo limiar
Os deuses moram?




PROGRAMM
Wilhelm Klemm
(1915)

Wir wollen keine Poesie,
Wir wollen Taschenzauberkunststücke,
Wir suchen im Dasein eine fatale Lücke
Zu stopfen. Trotz krampfhafter Mühe gelingt es nie.

           Aber was wiβt ihr anderen von den heimlichen

                                                                [Elevationen,
Von dem selig hysterischen Schluchzen der Kehle,
Wenn wir die erste Stufe, über deren äonen –
Haften Folge die Götter wohnen,
Küssen, ganz verzehrt von dem Haschisch innrer Seele?




PAUL ZECH (1881-1946)


Nasceu em Briesen, na Prúsia Ocidental, em 19 de fevereiro de 1881. Passou a juventude em Wuppertal. Estudou em Bonn, Heidelberg e Zurique. Trabalhou como mineiro e metalúrgico, por idealismo social, na Alemanha, França e Bélgica. Tornou-se editor e colaborador de vários jornais, traduziu vários poetas franceses, ao mesmo tempo que começava, na volta do século, a sua própria produção poética. Foi amigo de Richard Dehmel, Emil Verhaeren, Else Lasker-Schüler, Stefan Zweig, Georg Heym e Apollinaire, entre outros. Viveu muito tempo em Berlim, foi bibliotecário e propagandista. Em 1933, emigrou para Praga, depois Paris, e finalmente, para a Argentina, onde morreu, em 7 de setembro de 1946, em Buenos Aires. É o menos flexível dos poetas da sua geração. O poema selecionado é um raro soneto expressionista sobre a dureza de uma rua industrial em uma cidade grande.

 
           RUA INDUSTRIAL, DE DIA


Só paredes, sem verde nem vidraça,
A rua estende a cintura malhada
Das fachadas. Os carris sem zoada.
Brilha o asfalto molhado da praça.

Roça por ti alguém, um frio olhar
Penetra-te a medula; passos duros
Fazem saltar faíscas de altos muros
E fica a nuvem de um breve respirar.

Não há cela que aperte o pensamento
Em gelo como este caminhar
Entre muros, que só muros podem olhar.

Vistas tu penitência ou sacro pensamento -:
Esmaga-te sempre o pesado sudário
Do anátema divino: turno sem horário.


FABRIKSTRAβE TAGS
Paul Zech


Nichts als Mauern. Ohne Gras und Glas
zieht die Straβe den gescheckten Gurt
der Fassaden. Keine Bahnspur surrt.
Immer glänzt das Pflaster wassernaβ.

Streift ein Mensch dich, trifft sein Blick dich kalt
bis ins Mark; die harten Schritte haun
Feuer aus dem turmhoch steilen Zaun,
noch sein kurzes Atmen wolkt geballt.

Keine Zuchthauszelle klemmt
in ein Eis das Denken wie dies Gehn
zwischen Mauern, die nur sich besehn.

Trägst Du Purpur oder Büβerhemd - :
immer drückt mit riesigem Gewicht
Gottes Bannfluch: uhrenlose Schicht.




GEORG HEYM

Nasceu em 30 de outubro de 1887 em Hirschberg. Filho de um advogado militar, com ambiente familiar burguês e intelectualmente pouco aberto, o que cedo levou a tensões e desentendimentos com os pais. De 1905 a 1909 estudou no liceu de Neuruppin. Entre 1907 e 1910 estudou direito em Wurzburg e Berlin. A 6 de julho de 1910 fez sua primeira leitura no Cabaré Neopatético, de Kurt Hiller. Em 1 de outubro do mesmo ano publicou o primeiro poema no Herold e em 23 de Novembro no Demokrat. Em 16 de janeiro de 1912 morreu afogado no rio Havel, com o seu amigo Ernst Balcke, quando praticavam patinagem no gelo. Foi praticamente o primeiro poeta expressionista. “Irmão” de Poe e de Baudelaire, foi um sacerdote dos horrores quando pinta a grande cidade.

O DEUS DA CIDADE
Georg Heym

Escarrapachado sobre um quarteirão,
À sua volta acampam negros ventos.
Ele olha irado, ao longe, a solidão
De últimas casas em campos nevoentos.

Baal ao pôr-do-dol, pança luzindo,
À volta ajoelham as grandes cidades.
De um mar de negras torres vem subindo
O eco monstruoso das trindades.

Na rua, a multidão música entoa,
Em dança, coribântica exaltada.
Das chaminés fabris o incenso escoa
E sobe até ele, em fragrância azulada.

No seu sobrolho crepitam temporais.
Narcotiza-se em noite o escuro dia.
Como os abutres, esvoaçam vendavais
Em cabeleira irada, que arrepia.

Estende no escuro a mão do carniceiro.
Um mar de fogo varre, num estremecer,
Toda uma rua, que acaba num braseiro,
Até que o dia tarde a amanhecer.


DER GOTT DER STADT

Georg Heym

Auf einem Häuserblocke sitzt er breit.
Die Winde lagern schwarz um seine Stirn.
Er schaut voll Wut, wo fern in Einsamkeit

Die letzen Häuser in das Land verirrn.


Vom Abend glänzt der rote Bauch dem Baal,
Die grossen Städte knien um ihn her.
Der Kirchenglocken ungeheure Zahl
Wogt auf zu ihm aus schwarzer Türme Meer.

Wie Korybanten-Tanz dröhnt die Musik
Der Millionen durch die Strassen laut.
Der Schlote Rauch, die Wolken der Fabrik
Ziehn auf zu ihm, wie Duft von Weihrauch blaut.

Das Wetter schwelt in seinen Augenbrauen.
Der dunkle Abend wird in Nacht betäubt.
Die Stürme flattern, die wie Geier schauen
Von seinem Haupthaar, das im Zorne sträubt.

Er streckt ins Dunkel seine Fleischerfaust.
Er schüttelt sie. Ein Meer von Feuer jagt
Durch eine Strasse. Und der Glutqualm braust
Und frisst sie auf, bis spät der Morgen tagt.



BIBLIOGRAFIA

ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. Trad. Denise Bottman e Federico Carotti. São Paulo, Companhia das Letras, 1992.
BARRENTO, João. Expressionismo Alemão Antologia Poética. Seleção, tradução introdução e notas de João Barrento. Lisboa : Ática Sarl, 1980.
BENJAMIM, Walter. Obras Escolhidas. Magia e Técnica Arte e Política. São Paulo  :    Brasiliense, 1985.
BRANDÃO, Junito de Souza Dicionário Mítico-Etimológico da Mitologia Grega. Petrópolis, RJ : Vozes, 1991.
CARONE, Modesto. Georg Trakl : Declínio e Utopia. Folha de São Paulo, Caderno de Letras, 16/01/86.
DE MICHELI, Mario. As Vanguardas Artísticas do Século XX. Trad. Pier Luigi Cabra. São Paulo : Martins Fontes,1991.
DÖBLIN, Alfred. Berlin Alexanderplatz 24ª ed. München : Deustches Taschenbuch Verlag, 1980.
ELGER, Dietmar. Expressionism : A Revolution in German Art. Köln : Benedikt Taschen, 1994.
KAFKA, Franz. Cartas à Milena. Trad. Torrieri Guimarães. São Paulo : Exposição do Livro, 198-.
______Metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo : Nova Fronteira, 1990.
______O Processo. Trad. Maria José Fabião. Lisboa : Europa-América, 1976.
______O Castelo. Trad. Maria Helena Rodrigues de Carvalho. Lisboa : Europa-América, 198-..
LANGENBUCHER, Wolfgang. Antologia Humanística Alemã - Ein Deutsches Lesebuch, Trad. Ari Lazzari e outros. Porto Alegre : Globo, Tübingen-Basel, 1972.
LE RIDER, Jacques. A Modernidade Vienense e as Crises de Identidade. Trad. Elena Gaidano. Rio de Janeiro : Civilização Brasileira, 1993.
NIETZSCHE, Friedrich W. Assim Falava Zaratustra. Trad. Eduardo Nunes Fonseca. São Paulo : Hemus, 198-..
RIMBAUD, Jean Arthur. Uma temporada no Inferno & Iluminações. 4. ed.. Tradução, introdução e notas de Lêdo Ivo. Rio de Janeiro : Francisco Alves, 1993.
ROTHE, Wolfgang. Expressionismus Als Literatur. Bern und Mûnchen : Franke Verlag, 19-?.
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda Européia e Modernismo Brasileiro. Petrópolis : Vozes, 1972.
VAN GOGH, Vincent. Cartas a Theo. Trad. Pierre Ruprecht. 4ª ed. Porto Alegre : L& PM. 1991.




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UM DIA DE FESTAS - POR ADALBERTO MOURA NETO

Recital em frente à casa onde nasceu o poeta Antônio Tavernard, em Icoaraci. Hoje se concretiza o sonho de reerguer este espaço como a merecida Casa do Poeta, na visão de Adalberto Neto e endossado pelo autor do livro Moços & Poetas. Publico hoje, na íntegra um artigo de um grande agitador cultural de Belém, em especial de Icoaraci. Trata-se de um relato sobre uma justa homenagem àquele que é considerado como um dos maiores poetas paraenses: Antônio Tavernard.  O que me motiva esta postagem - e foi a meu pedido - é que a memória cultural do nosso estado vem de pessoas que fazem isso de forma espontânea. O Adalberto Neto é aquele leitor voraz e já um especialista no Poeta da Vila - e isso é o mais importante: ler a obra de Tavernard é encontrar: religiosidade, Amazônia, lirismo, musicalidade romântico-simbolista, um tom épico em seus poemas "em construção" e um exímio sonetista, e eu diria: Tavernard faz do soneto um minirromance.  Fico feliz pelo Adalberto Neto, o autor d...

AO CORAÇÃO DO MAESTRO (PEQUENA CRÔNICA PÓETICA)

O coração do poeta encontrou o coração do maestro em outubro de 2023 e desde então conversavam como se fossem dois parentes que fizeram uma longa viagem a rumos diferentes e que se reencontravam de repente. O coração do maestro ensinava; o coração do poeta ouvia. Quem ensina é o coração; quem aprende é também o coração. Dois irmãos. - Um coração para duas mentes diferentes. O coração do maestro regia as histórias, as lendas, os mitos, a ópera, a música; o coração do poeta dizia: sonho com o verso, o certeiro acorde, do maestro como ópera e como canção, como rima, como melodia, como ode. E alegria. Era muita cultura, para muito mais coração. Era quase todo dia, um projeto, uma ideia, uma música, um hino, o coração do poeta escrevia: "Homens livres e de bons costumes/ irmãos do espírito das letras/ levantai a cantar a Glória do Arquiteto Criador/ Homens Livres e de bons costumes/ Irmãos do espírito das Letras/ Aprumai a voz ao coração/ que a pena é mais forte que o canhão/ Às Letras...

A ORIGEM DO FOGO — LENDA KAMAYURÁ

    Lenda colhida pelos irmãos Villas Boas. Posto Capitão Vasconcelos à margem do arroio Tuatuari, em 16/06/1955.    Na Amazônia, todos os povos indígenas têm lendas sobre a origem do fogo. Elas diferem entre as etnias, embora o processo seja o mesmo: uma flecha partida em pedaços e uma haste de urucum.  Das lendas que ouvimos sobre a origem do fogo, a que mais nos pareceu interessante foi a narrada por um velho Kamayurá.                                                     “Canassa — figura lendária, caminhava no campo margeando uma grande lagoa. Tinha a mão fechada e dentro, um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como tinha frio, acocorou-se para aquecer à luz do vaga-lume. Nisso surgiu, vindo da lagoa, uma saracura que lhe disse: ...