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ALGUMAS PASSAGENS DO ESTILO VIAJANTE DE OSWALD DE ANDRADE



MEMÓRIAS SENTIMENTAIS DE JOÃO MIRAMAR, (1924).


Fragmento 27
“[...] E minha mãe entre médicos num leito de crise decidiu meu apressado conhecimento viajeiro do mundo.”

Fragmento 31
“A costa brasileira depois de um pulo de farol sumiu como um peixe. O mar era um oleado azul. O sol afogado queimava arranha-céus de nuvens [...]”.

Fragmento 33.
“A tarde tardava, estendia-se nas cadeiras, ocultava-se no tombadilho quieto, cucava te uma escada de piano acordar o navio [...]”.

Fragmento 34.
“Apitos na cabina estranha estoparam o Marta na madrugada.
No Cosmorama do leito duas linhas de luzes marcavam a flutuação de Santa Cruz de Tenerife [...]”.

Fragmento 104.  “CARTÃO POSTAL”
“De passeio em Porto-Fino na Itália, de barca a gasolina, saúdo-vos. Nair.”

SERAFIM PONTE GRANDE, (1933)

“O Brasil é uma República Federativa cheia de árvores e de gente dizendo adeus” (p. 47)

“Benedito Carlindoga, meu chefe na Escarradeira (vulgo Repartição Federal de Saneamento) partiu para a Europa, a bordo do vapor Magellan. Vai se babar ante o saracoteiro desengonçado e lúbrico das personagens de Guy de Maupassant.”

“Lá fora o mar.
O mar sem par. Serafim amanhece. Ela o envolve, o laça. É uma mãozinha que tem cara, cabelos de recém-nascido à la garçonne.” (em itálico no original)
(...)
Lá fora o mar. De par em par. Ela baixou a cabeça. Perdeu a sintaxe do coração e as calças. (p. 84)
(...)
Serafim vai à janela e qual Narciso vê, no espelho das águas, o forte de Copacabana. (p. 84)

NO ELEMENTO SEDATIVO

                   onde
   se narra a viagem do steam ship
ROMPE-NUVE por diversos oceanos.
(p. 85)

Burrada e Paquebot

“Na véspera da Pascoela, se tendo abalado em fuga com um fígaro de damas Dona Dinorá – o nosso herói por sua vez toma bordo e barco a querosene e vela no Steam Ship Rompe-Nuve, luxuoso e rápido paquete que seu fiel secretário Jose Ramos Góis Pinto Calçudo pasmara em ver com a fumaça de seus três apitos, nas folhas e cartazes do Rio de Janeiro.
Manobra a nau contra o vento traquete e põe olho Serafim em mulher viúva e moça a palrar com garboso oficial sobre o outeiro do Pão de Açúcar. Pensa d’aí em Dorotéia longínqua e com as moças enclavinhadas no tombadilho, urra vindita sem querer ver a paisagem” (p. 87).

NA POESIA
Na poesia, todo um livro foi escrito sob o efeito do “Atlântico modernista”, ou seja, sob efeito de imagens avistadas de um navio junto à costa brasileira. É o caso do livro “Lóide Brasileiro”, cujo título é o abrasileiramento do nome da empresa estatal “Loyde Brasileiro” que, na navegação de longo curso, detinha o monopólio, com seus paquetes e vapores. Eram doze poemas, dos quais dois servirão, aqui:

Fernando de Noronha
Oswald de Andrade

De longe pareces uma catedral
Gravando a latitude
Terra habitada no mar
Pela minha gente
Entre contrafortes e penedos vulcânicos
Uma ladeira coberta de mato
Indica a colônia lado a lado
Um muro branco de cemitério
A igreja
Quatro antenas
Levantadas entre a Europa e a América
Um farol e um cruzeiro

contrabando
Oswald de Andrade

Os alfandegueiros de Santos
Examinaram minhas malas
Minhas roupas
Mas se esqueceram de ver
Que eu trazia no coração
Uma saudade feliz
           De Paris

            
           Seleção: Benilton Cruz

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