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DIÁRIO DE ÍCARO





DIÁRIO DE ÍCARO


   Benilton Cruz


 #Bronze #sculpture by #sculptor Nicola Godden titled: 'Icarus VII (Small Falling with Melting Wings statue)'. #NicolaGodden
(Ícaro, escultura de Nicola Godden)


Belém, Pará, Amazônia - Brasil - 2018


É apenas um diário que relata coisas que levantam um voo e uma queda.

É uma asa que derrete.

É um ajuntamento de ousadias, fazendo dos pedaços de minhas anotações um quase eu inteiro, um refragmento, um texto. 

Não sei outro nome a dar senão Diário de Ícaro.

Se você tiver outro nome a sugerir escreva sobre essas linhas com outras linhas e façamos uma tapeçaria de nós e de nós, afinal, ler ou escrever tem em comum o estranho júbilo de ser o solitário um como autor ou o alegre milhões como leitor.

Se nomeio algo, percebo que já ocorreu este nome. Se invento fingir tudo que finjo parece-se com a verdade, então é assim escrever.


Escrever é uma verdade e a outra verdade é ler.

Sou leitor de mim mesmo, por isso não posso me esconder do que me observa sempre, algo entre uma fuga e uma queda. 

Sou o que não posso evitar. 

Claro que prefiro ler sobre mitologia, um nome poético para outras religiões. Tudo ainda é muito indefinido para o que acho que deveria ser correto gravar com palavras.

Escrever é sempre vacilar a linha do trapézio de equilibar a escrita.

Relatar é melhor, pelo menos tenho a segurança da história que vou contar – história é o que se conta, e não precisa ser verdade ou mentira, basta contar, contando a gente se espanta, e continua o contar. 

O mito não pode me dominar e nem pode tirar conclusões por mim. Nunca tive asas e nem mesmo escapei de algum labirinto. Hoje, os labirintos são virtuais, e nos aprisionam pela falsa luz das telas como esta.

São diferentes as asas e as ceras. Fugir sempre, escapar do que criamos é a lição de meu pai, o criador de labirintos, o reduto final da inteligência, a perfeita construção e louvável construto de onde só se escapa com as penas unidas em asas ou com um fio.


No meu caso é a linha.

Esta.

Contudo, eu voei sobre o labirinto, dei um sentido à angústia da retidão, à certeza da geometria. Sim, sou esse jovem que gosta da velocidade. Meu pai disse: asas são para voar baixo, e eu disse: isso é inaceitável!

11, outubro

São os voos e os cantos que nos aproximam dos deuses. Cantando, eles nos cercam próximos, mas não o bastante para termos deles a eternidade. 

Mal sabem que sonhamos a benevolência do eterno no tempo, naquele segundo que o primeiro raio de sol apaga com a manhã. Mitos, deuses e religiões falam que tudo é sonho, por onde vemos a divindade evaporar. E acordamos, como Ícaro, com as penas molhadas de sal.  


Outubro, 15

Tento dar as ordens ao que escrevo, entretanto, é quase certo que voltarei à primeira linha. Tenho que escrever às penas. Como conhecer a escrita, como conhecer algo que tem seus cinco mil e poucos anos? - É algo jovem, e estranhamente antigo, eu tenho dezesseis anos de incertezas. 

Alegro-me com a minha juventude, posso deslizar e cair sem me preocupar deveras com o que escrevo. Sei da consciência que terei de arriscar e isso pertence ao voo e à queda.


Outubro, 18

É verdade, conheço-me em um instante, no outro, já diz o momento que tudo pode ser diferente. Diarizo-me, repito-me, sou sempre o que pode ser de outra maneira. Conheci a alegria e a felicidade, não as quis porque me deixaram apenas feliz. 
Foi o meu pior vazio. 
Como me foi penoso administrar minha felicidade até o ponto de guardá-la onde pudesse me arriscar pelos pensamentos mais profundos. 
Para que serve a razão? Para dar nome às coisas, 
e só.

Outubro, 21. Deus

De novo. Deus é uma pergunta. É sempre um desafio à inteligente e Deus deve rir da minha. Às vezes é uma sentimento, uma frequência. É como o homem, uma pergunta. Eu pergunto e a resposta volta para mim mesmo. Caminhar sobre a terra, arar, abrir as covas, plantar-se e fechar os olhos, acreditar em mim. Escrever é também uma forma ler as lacunas de Deus e e de nossas esperanças, em versos e versículos.

Outubro – 25

Não vou mais escrever “mas”, “porém”, “assim”, “desta maneira”. Escrever não é concluir ou contrariar. Escrever é dar esperança à escrita. Como posso afirmar alguma coisa se o que escrevemos nos dá a insegurança do contradizer? 

Bem-vindo à Fortuna do vazio, - a cega deusa me escolheu a Sorte de Escrever.

Começo a olhar o céu mais a sério e ele se amplia e abaixo de mim um espaço maior me assusta com a queda.


Outubro – ainda 25

Quem toca o coração será sempre amante.


DIÁLOGO ENTRE POLLACK E MILENA EM UM FILME SOBRE KAFKA.

-         Quando amo uma mulher, preciso comemorar com outra.
-         Quando amo um homem, ele vale por todos.

Kafka tem razão quando diz que depois da revolução o que resta é a lama da burocracia. A burocracia é a lama. Impede de mudarmos as coisas que não querem mudar. Kafka foi um homem solitário, e em vida, em sua solidão, foi conhecido por poucas pessoas. Sua alma tímida, como o primeiro presságio dos pássaros, escreveu a sua biografia, como toda boa literatura.

0utubro, 26

Domingo, confraternização, família, amigos, mãe, cachorro, Deus, o vermelho calendário socialista. Somos solidários ou socialistas pelo menos um dia na semana. 

Que capacidade incrível de sermos carentes da solidão alheia.

Quero ser uma voz e não um eco; um rumo, e não uma orientação.

Quando a gente fala a gente mente. Quando a gente fala é porque não entende. A mentira de falar, gosta da palavra. A palavra em si já é uma mentira. Não temos outra forma de nos enganarmos. Aliás, enganar é o que fazemos constantemente. Eis a nossa sinceridade. É preciso mentir sempre. 

A palavra é tudo que ilude e a escrita fixa a nossa mentira. Só mente quem sente e quem não sente mente também. O que seria de nós sem a mentira? Teremos que aceitar nosso fracasso? Não estou interessado na verdade que é uma teologia disfarçada de crença. Quero o domínio do absurdo e da matéria humana que cabe em alguns centímetros destas palavras. O ponto é a minha sonda.

E ele cai.

Verdade, mentira são jogos cujas regras não interessam nem à verdade e nem à mentira. Não existe verdade ou mentira – o que existe é o vazio, esse outro labirinto.

E dentro dele, novamente a asa ou um fio.

Novembro, quase madrugada de 03


TUDO BEM QUE SEJA DIFERENTE

Quem me traz a paz me traz a dor. Quem me traz a água me traz a sede, assim seja ou seja como for.
Tudo dá no amor. Tudo bem que seja diferente.
Quem me traz o caminho me traz a fuga. A nudez eu a trago com a roupa. A canção eu a trouxe e já se foi, no verso que vai agora no papel, iludir ou se explicar.


  
Novembro, 05.

TENHO UMA LÍNGUA PARA FALAR COMIGO
E outra para falar contigo e no meio disso tudo aquela velha razão de nos distinguir o falar dos outros animais. Que tolice! É mais o que procuramos dizer. Buscamos a palavra como se fosse o pote do ouro mais impossível. Falemos, falemos. Quando abrimos qualquer livro, sentimos que é preciso continuar o que nunca foi escrito. O que nunca foi feito e que apenas foi lido.


NOVEMBRO, 06. Sexta. Eu te vi me olhando.

NOSSO ÚNICO DESEJO É A PROCURA

Nosso único desejo é a procura
E é fácil se perder onde nada se encontra
A existência não é um caminho nem a frase que aqui eu busco
Desejo é o que não se alcança.  Tua boca, a lua beijou primeiro. E teus olhos, anoiteceram primeiro depois que adormeceste no meu esquecimento
E eu te procuro
E eu fiquei escrevendo esse sonho com duas palavras apenas
Te amo
Toda vez que sorrires perguntarei primeiro ao sol
Se devo te ver como um viajante ou como um outro teu: dizes quem tu és que eu não sei quem sou
Por favor, não te surpreendas com o que é teu
Porque teu rosto se move com facilidade pela meia-noite e quando quero olhar para a água olho para teus olhos primeiro.
Tu que passaste por mim como não molhar-me em teu raio em fuga constante.
Ensinaste-me que para criar é preciso destruir ou fingir – o que é bastante inteligente.
Te amo como Fernando Pessoa amou a Ofelinha, como um bebê, de 17 anos.
E, diferente de Manuel Bandeira, as almas não sabem de nada. Só o corpo diz alguma coisa que se ensina ao amor, uma marca do depois. O Amor é o que enxergamos quando nos tornamos cegos.

PENSEI DIZER OUTRA COISA

Amo as tuas serpentes, amo os teus dragões
Amo a tua coleção de minotauros
Amo a tua escolha pelo labirinto
Amo a tua predileção pelo impossível
Amo a tua cosmogonia, tua teogonia e o mito assinalado em teu nome
Amo as tuas duzentas e doze almas que dilatam o espaço da minha memória
Amo a tua escuridão que é por onde eu vejo o fundo que me leva além de ti e de mim
Amo as tuas lâminas que brilham do escuro


Escrever é escavar com os vermes. Nada há de pássaro, a não ser a sua fuga. É lidar com os loucos, é se deparar com os lobos. É agradar o idioma? É dar água às plantas? 

Que conversa

FOI, VOLTOU E DISSE

O amor dos deuses é uma mitologia,
E os heróis sempre retornam da jornada
E o que mudou entre a ida e a volta
É o que dizemos em curtas palavras.


NOVEMBRO, 07. Sábado.

É ESTRANHA AQUELA MAÇÃ

Do teu corpo colado ao vestido, espuma que é na verdade oferta. Queira-me como um menino que perdeu sua pátria e só estima aquela flauta da tarde que se vestiu da chuva branca. Para te querer, é esta a cidade que se indefiniu num inverno como a tua casa que é essa memória, agora que meu peito
é trégua, esse falar, e que me aceitas como um poema.

E é este

Tenho que escrever este poema até ao anoitecer.
Tenho que escrever antes que qualquer coisa aconteça aqui
Tenho que fazer a aurora tocar com dedos de rosa
Os teus pés descalços sob a cama e
as rosas que tenho nos dedos da caneta
Tenho que abrir mão do dicionário e escrever
O que já sei que tenho que esconder
Tenho que ter um rumo de linguagem
Um caminho mesmo que já tenha um
Tenho que ter a graça dessa ilusão
tenho


Conversa franca

DEUS governa por decretos, por isso pouco aparece e só por procurações dá suas graças. Deus tem que pedir perdão aos homens, e ainda é tempo. Que é isso pai, essa tua mania de abandono? Teremos que te criar, ou queres que nós também Te abandonemos para que em pé de igualdade fiquemos, é isso?

QUE QUERES ESCREVER ALÉM DE PALAVRAS

Confina teus dias ao que poderá ser amanhã
Porque hoje é apenas o que falta.
Difícil é ter razão do que amamos
A consciência do desejo, a revelação
– disseste que era o amor, a subida para ti mesma e
Estás sós, é verdade
Estás sempre a caminho de ti
Tu e teu encontro lá adiante.


SORO POSITIVO

A metáfora mata. A sentença, uma frase.
A vida se diz, um fio, uma lâmina que fala
A mortalidade numa palavra, ouvir, esquecer. Quem mais diz.


Não quero escrever o que os teus olhos me dizem,
O que dizem com a lâmina de serpentes que a terra esqueceu por milênios.
São teus santos na ermida que estilhaçam minhas orações que a memória ensinou a aceitar a derrota
Não quero escrever o que os teus olhos chuviscam com o magma de prata de um rio subterrâneo e escuro
Não quero escrever o que teus olhos dizem porque é inútil como todo poema que guardas para o mais tarde ou para o nunca mais


POEMA DE UMA MÃE PARA UM JOVEM SUICIDA

Nunca mais virás para me ver ou simplesmente me abraçar.
Nunca mais virás para me perguntar se deves fazer o que tens que fazer.
Nunca mais virás para me dar boa noite ou a tua natural saudação de abandono em que me deixavas  constantemente.

Nunca mais verei o sol em teu sorriso porque a noite obrigou-me a te procurar na casa de teus amigos
todas as noites sairei ao teu encontro
Em algum lugar deixaste o amanhecer em algum canto desta casa.

QUANDO PENSARES EM MIM

Quando pensares em mim, escreve como se existisse a palavra que queres. Escreve como se existisse a forma que cabe o que pensas ou o que sentes. Ou se não, escreve apenas, escreve, levas a caneta ao papel, deita-a sobre as dobras do branco labirinto. Assim sou eu também. Temos novamente algo em comum: sabemos evitar o que criamos, sabemos evitar o que sabemos. Sabemos evitar o que nos escreve, e sabemos evitar o que somos – sabemos, enfim, alguma coisa. Então, é melhor não dizer, é melhor esconder, assim são as palavras: algo que se esconde. Queres dizer o que sentes? Experimentas escrever; escrever é a facilidade de desistir. 
- Vai, olha para o papel, a folha é pura, é branca, sim, guarda a caneta, tente, como é fácil não prosseguir. Percebe? Isso talvez seja poesia, talvez seja literatura, ou qualquer coisa que assuste. 
Não prossiga, isto talvez seja arte. 
Isso de que se desiste.



Quando a palavra torna-se coisa
Queira dar-me o teu nome
Isso basta para me tornar menos sozinho
Queira aceitar este chamado, este poema

Quando confiares em ti, nada mais se perderá

Quero te dar uma frase de efeito. Daquelas que iniciam uma história que te comova o suficiente para que prestes atenção ao que vou dizer. Quero te colocar na linha do front, onde só podes ver o que te encanta com o que é teu, o distante, isso tudo que te é bastante familiar – o que se assemelha contigo – está ali adiante. Nunca te entregues assim tão fácil. 
A escuridão é para brilhar.



EM DEFESA DA TERNURA

É fácil desenhar o som
Escrevo as letras uma por uma
Do teu nome

É fácil fazer voar o som
as palavras voam uma a uma
E assim elas vão

Do meu para o teu coração


FIQUE BEM

Fique bem com suas mágoas
Agora que nunca mais nos veremos
Existe mesmo o nunca
E é para nós.
O tempo foi inventado para passar
Não para ficar
O que fica é o que pensamos que poderia existir
O que existe é aquilo que pensamos
Que poderíamos mudar
E para isso temos tempo
O tempo foi inventado para se poder ter
Inclusive o próprio tempo
O tempo tem suas angústias e precisa de nós
Foi nossa invenção que nos salvou, o trabalho
Os dias, as horas e tu que agora parte
Escreva aí, o que nunca as estrelas me confessaram
Saber o que teus olhos escondem
É traduzir a mais remota língua
Ou a concha que fecha com a lágrima de futura pérola
Conte-a para mim
Porque gostaria de lembrar-te do firmamento
É alto e dá voltas
Saiba que converso com as nuvens e elas me dizem de ti
Também elas te acompanham com sombra
Se as horas passam é porque elas não existem
Se elas passam pelo mesmo lugar no relógio
É porque só existe o relógio
Gostaria de te dizer que costumo voar com o vento das cinco horas da tarde
Para a direção, que, às vezes, o sol se esconde. É lá
Que se douram as borboletas

OFEREÇO-TE O MEU CHAPÉU

Ofereço-te meu chapéu que tem abas de camelo ou de tartaruga quando a jornada é longa, entre ocasos e amanheceres.
E me inquieta esse estranho fogo na minha mão, calor que não posso escondê-lo.
Ofereço-te o meu chapéu que me viu atravessar o céu daquela tarde onde viste as andorinhas de um banco do colégio.
E altas e em gritaria, com elas escondias o meu coração em uma        alçapão.
Presas estão todas elas agora, nestas palavras
E como mergulhavam velozes naquelas árvores que te viram chegar pela calçada 
Presas neste poema sob o alvor da noite que me escapa sereno.
Eu, com certeza, te amarei
Como amei o silêncio das árvores de mil formas à noite,
Como amarei das nuvens os seus mil dizeres,
Porque nenhuma pode dizer de ti ou de mim
Porque nenhuma nuvem é igual a outra.
Assim, ousei te dizer das sombras e não das árvores,
Ousei te dizer de desenhos e não de nuvens,
Ousei te dizer da palavra e não do Amor,
Para que entendesses o poema que era meu e teu e não de nós ou de nenhum.


ARGILA E UTOPIA

Escrever como se fosse a última coisa a fazer,
Como se fosse a última coisa a dizer,
Como se fosse a última palavra
da última voz de um último homem a morrer.

Escrever como se a palavra não fosse a maior das mentiras, o maior dos vazios.
Escrever para dar sentido ao vazio, dar sentido à palavra, dar sentido à vida que nunca tem sido o que deveria.
Escrever como se o viver fosse ser.
Ó palavra, nada mais incompleto, imperfeito e distante. O que completas é apenas o tormento : máscara sagrada e vazia: mentira alada
Rápida ilusão que agrada e repudia
Argila e utopia: palavra: palavra: palavra.


AI DE NÓS SEM A FICÇÃO.

Ai de nós sem a ficção
Procuramos Deus
Procuramos justiça
Procuramos verdade
Ai de nós sem a ficção
Procuramos a história
Procuramos felicidade
Procuramos, procuramos
Ai de nós sem a ficção

Procuramos Deus
E só encontramos religião
Procuramos justiça
E só encontramos corrupção
Procuramos história
E só encontramos invenção
Procuramos verdade
E é tudo engodo, enganação
Ai de nós sem a ficção.


CAEIRO

Essa aura da noite, essa alvura incolor e longa e quase azul. 
Os olhos sabem mais que o pensamentos. Todos também caem na profundeza dos olhos. É o olhar a mais profunda das filosofias. 
E cabe ao poeta filosofar o mistério do olhar.


O VENTO NÃO TEM norte
O vento não tem morada
Sou esta página que
Te mostra o absurdo
Escrevo e tu lês apenas
Escrevo e te mostro apenas
Que por aqui também passou
O vento ou a asa de seu voo
Em uma canção
ou na palavra
Que deixou desperta
Que te deixou na varanda
Olhando a tarde

DAS HORAS QUE SE RECOLHEM AS ASAS


O canto enaltece; a palavra emudece.

Flores do pântano; lágrimas dos lobos.
Assim assinei meu último poema, naquela tarde
Meu nome era Walt Whitman

Duas especialidades de Deus: versículos e guerras.


AMANTES ESTÃO SEMPRE INSATISFEITOS
São inconstantes como o desejo.  
Amantes gostam de mentir porque sabem-se mortais, gozam para mostrar que sabem do amor mais do que a mentira de amar.
O amor extravasa-se pelos poros como da alma a ilusão de que o amor é criação.
Amantes estão sempre insatisfeitos
Extasiam-se para acreditar na fantasia que criou o amor e criou o desejo. É bom celebrar que o Amor não é orgasmo, nem um êxtase, talvez o prolongar de uma angústia que se vestiu de crença. É bom aprender a despir-se, a nudez é eterna, e não dá para vê-la nua na sua nudez.
Todo amante mente porque é da mentira que tudo que é do homem vive, que a arte vive, que a humanidade vive. A idéia é perfeita; a forma é imperfeita; é preciso mentir pra tê-la inteira.
Viva a mentira que é tudo e que é tudo que o amor é e mais um pouco. Mesmo o maior dos desejos é mentira que cuida o coração. É nesta hora que não há falhas em quem deseja. Somos perfeitos quando amamos. Viva a ideia que nunca se engana porque nem engano se chama, é perfeita. Ó amor: Viva a mentira que em arte sempre conta a parte desta verdade, que no amor todo engano é o que celebramos: Que palavra pode dar ao amor contento?



ELEVAÇÃO

A história é subversiva
O texto é subversivo
A poesia é subversiva
A arte é subversiva
A criança é subversiva.
Do outro lado estão:
O politicamente correto, a ordem,
A educação, a idolatria.


OUTRA VEZ, VICO

A água delira
O vento delira
O sol, a chuva

A árvore delira
A nuvem, o varal

O que falta delirar?
Tudo queima
Tudo arde
Mesmo nessa escrita
A palavra delira
Como na primeira vez
Que foi dita
Sob o teu olhar.

Amor é enfim ser ouvido.
E inferno é onde não há esperanças


BELÉM

Há muito para acreditar
Há muito para se fazer e parece que
Nada nos pertence por sermos brasileiros
E paraense é ainda um caso à parte
Será que já não basta
Sermos roubados na nossa própria casa
Quarto, Casa casarão senzala 
Será que eles pensam que isso aqui ainda é capitania
São todos hóspedes do mesmo terreiro
Todos invadem nessa invasão
Temos que gritar para todo mundo
Pega ladrão,
mas quanto maior o roubo menor a pena e a prisão.
Onde está o erro que é visível em toda parte
Todos são testemunhas oculares da corrupção.
E em toda essa grita, vai que ainda tem.
Tem e é muito: É a um, é a dois é a três
E tem gente que ainda diz
que essa é a terra do “já teve”
Já tivemos borracha, mas ainda temos
E tem mais ouro, bauxita, cassiterita, minério pra foguete e computador,
Agora são outros quinhentos.
Temos ainda outra riqueza que é a que nos deixa mais rico: Ciência e a consciência de que nunca nos entregaremos

Virgem de Nazaré, dai-nos força
Para essa espera que não cansa.




(AUTOBIOGRAFIA)

Ele escreveu um livro. Deu-lhe um título: “O Navio”. Fala de tudo, menos de navio. Por que haveríamos de dizer sempre o que é para se dizer. O mundo que vivemos é uma ilusão. A mentira é melhor, dá até para se salvar com ela. A verdade não. É sempre no último caso. Que história! Ainda bem que existe a ficção. Até mesmo a vida como pode ser verdadeira se temos consciência. Como se começa uma biografia? Será que escrever é falar da vida? Vamos lá...


              ALTEREI UM POEMA MEU PUBLICADO


Para alterar o curso das coisas

só as palavras acendem
tigres
em cada madrugada
para erguer os olhos
e ver
depois das lágrimas.


PARA VOCÊ ler e depois esquecer
não faz mal
foi sempre assim.
Ler é recriar os olhos
E isto não quer existir só no poema
fechado em si e querendo atar em ti
o invento de você
em mim
No sonho das palavras
o poema insiste existir
para fazer você ler:
a criação como paisagem,
a leitura como oferta da travessia,
para esse sonho
da linguagem
que
só sei te fazer
dormir

A CRUZ E A ESPADA

Cada palavra é um abismo
Cada silêncio é uma palavra
nós criamos os deuses porque eram sozinhos
como éramos no princípio
no impasse de quem criou o Verbo
sobrou pra mim que sou poeta
não ofereço poemas pra ninguém
dedico-os para que vai nascer,
na cotação das palavras
sou tão importante quanto a bolsa
os valores são os mesmos
o jogo
não estou afim de me estressar
me escondo e me contemplo
sou multidões que se alienam
sou teu passado que é igual ao teu futuro
sou teu mercado negro
teu Paraguai e tua China
de que adianta ser original se não és nenhum
ser original é copiar
Xerox, Macdonalds, Ribamar
Cruz credo, sou tão vulgar que me abomino
Burguês, falso burgês, capitão Marvel
Batman, quanta ignorância.
Acho que sou mais o Charada
O Pinguin
Quero a cruz e a espada
Quero teus lábios de Gilda e teus seios de Sofia.
Quero meus poemas de H. Auden, de Yeats, pois eles são algo que são dos meus eus
Quero aquela triste e leda madrugada, a espada e a pena de Camões – que são essas
Que colhes na estrada que te leva ao nada.


Pensar não é só tarefa de filósofo
Não é só tarefa de poeta
Pensar é para quem tem uma língua
E uma vontade de mudar

QUANDO INDESTRUTÍVEL EU CANTO

Se existisse essa manhã
desvelar do azul, o espaço na canção
escrito sobre o peito, quando a voz é asa
de oferecer o sonho às sombras de abandonar 
o sigilo da chuva sobre o cais
Se existisse essa estrela
que acende na garganta
um brotar de coração
nos giros da solidão
(quem canta tem chances)
ela que é mais segura quando cai
para brilhar mais

Se existisse esse país
talvez não fosse a memória
a forma mais cruel do esquecimento
talvez não fosse a esperança
a forma mais inútil de mudança

DOS SINOS, a memória da tarde
é o retalho de imagens aquecidas pela luta do sol
e a miragem
de carruagens banidas pela música de outrora
E só destroços não existem
no último obstáculo da ventania
que cansa e bate
cego e surdo
como um poema
à tua janela


O RITUAL DA COR é a aprendizagem dos olhos
a luz pode molhar
se olhares como o sol olha a flor
do ocaso
sobre o mar : um esquecimento
É quem mais poderia te encontrar
solitária na tua distração.
Desculpe-me pelo atentado ao coração
desculpe-me pela frase desorganizada
não haveria quem me ouvisse
nem mesmo tu
se soubesses do que digo
que não são as palavras
mas talvez a canção
ou sobre ti mesmo
Se vieres trazer o teu cansaço da viagem adiada
em torno de um caminho abençoado de ímpeto e de aventura
Deixa teu coração pousar
na paz das crianças cansadas
da bela madrugada na qual sonhavas
a tua casa com uma janela para a tarde
para amares quem esquecestes
como o amor ama a morte
como a memória ama a poesia


A RETOMADA DE SI

Se onde há a luz, a sombra
Há.
Se para cada coisa
um lugar.
se o encontro
é não procurar
se um risco não for
grande
se estamos
perdidos no mesmo lugar


LUAR E FLAUTA

Em defesa da mudez do ar
Em defesa do que não diz a palavra
Para sempre atravessar
E errar. Deixe-me
Para o sopro de nuvem
atravessar a ruína
do sol

Para a água ainda mover
a pouca saída
do vento

Para a liquidez da memória
que arde no sono do luar
a música da lâmina,
ancestral,
– o gume, o fio
molhado,
a chama


REGRESSO À CASA, ao verso
             “engendra seres não vividos”
que insinua ideias que ficarão
em outros pensamentos
para ter a liberdade por mim
no palor de lírios pequenos sobre cem cavalos fugitivos
e então será poesia
               porque
                         não terá pressa
                         e nem terá existido

ANTIGA PAISAGEM

À janela, a memória
desperta suas asas:
cavalos de palha,
minérios da noite,
o quintal sem cerca
no coração do outono
lento e lago
a calma
não me fez mudar.

À tarde, ao rio
a sensação de cais
eu senti demais
o que perdi de mar
eu recriei no ar
e segui sem direção.
O amor não me fez mudar.


NÃO TENHA PRESSA, NOSSA EXISTÊNCIA É ETERNA
NOSSOS DESEJOS DIZEM DE UMA MESMA LINGUAGEM
QUE APRENDE DIA A DIA O ALFABETO DEVAGAR
NOSSAS ÂNSIAS BATEM DO MESMO CORAÇÃO OS LIMITES  DO MOVIMENTO.
NÃO TENHA PRESSA, VÁ DEVAGAR
QUE A PACIÊNCIA É A NOSSA VITÓRIA SOBRE A FLUIDEZ DE UM TEMPO QUE TE QUER SEMPRE PASSAGEIRO
DE UMA VIAGEM EM TORNO DO MESMO LUGAR.
NÃO TENHA PRESSA, NOSSA EXISTÊNCIA É ETERNA
E VOCÊ IRÁ LER ESTE POEMA UM DIA
QUANDO ESTIVERES SOZINHA
OU QUANDO NUM MOMENTO DE ALEGRIA
ESCAPAR-TE A SOLIDÃO
PARA LERES NAS LINHAS EM QUE O VERSO DURA
A OFERTA DO MUNDO
EM APENAS UMA LEITURA,
NO RUMOR DE ASA QUE PARTE MEU PEITO
À LIBERDADE DE UMA PALAVRA NO AR.


A PRIMEIRA VIAGEM

A realidade é um invento
na velocidade do olhar
a luz descobre as coisas
e a lucidez sonha a razão
de aproximar
criatura e criador                           

Vivemos o improvável
com tanta facilidade
que a probabilidade
é mais ou/
do que ser/não ser

reconta tuas posses
mesmo que o número seja sempre igual
o horizonte poderia ser maior que de teus olhos
como tudo que existe lá defronte
não dominaste a luz
a velocidade do olhar
perdeste-a na primeira viagem.


COMO QUEIRAS

Se eu te inventasse agora
serias feliz
de verdade

Mas talvez levarias de mim
o meu próprio invento
e até a minha felicidade
de te ter por um momento
e mais uma vez
serias  feliz
por me teres deixado
feliz contigo
e partires.

Se eu te inventasse agora

Nesta terra não teria luz
senão tivesse palavra
que acontece muito antes do papel

Ser verbo é ser o que nada interpela

O sino rompe uma catedral no ar
são duas da tarde
e o rio é inocente

Ele não habita a distância do pensamento


Se nunca, por nada
choras, o quanto do sonho
que passou-te pela mão
por tudo que querias
e lutando ressentida
só conseguiste
do abandono o abrigo

Se da hora
mais triste esperaste
de alguém
que não estavas
junto a ti -
um momento
que compensasse
tua fuga
para ti mesma

segura isto que escrevo
como se fosse
a minha mão


Estas palavras não vão saber
disto que só existe cantando
não há alívio
antes que a verdade
aconteça

Anjo herói
o teu sonho
é que dói
na página
em que queres
viver

Só estas palavras podem te esquecer
eu que só sei
luzir ou adormecer

DEUS NÃO SABE EXISTIR
(ao que chamamos humanidade)

Pode ser que termine aqui
o próximo passo
ou a próxima palavra
terá um sabor de distância
maior que o sentido de existir

Pode ser que só comece aqui
porque só de começos ousamos construir
rumos que falharam igualmente
e perdemo-nos de mãos dadas

Pode ser que o Pai se reconheça aqui
que o princípio ou o fim não teve filhos
e sozinho não soube existir

DER TOD LERNT ZUM LEBEN

Vielfach kann ich nicht Ein sein
Zerstört, aber vollständig
lass ich dich wohl in der Nahe sein
um in jedem Bruchstück
dich bespiegeln auf mich
zusammenn: Baum und Sand

Unter die Schatten dieser Stimme
gibt es das Geräusch aus einem freien Feuer


ERRO DE DIGITAÇÃO


Anjos gravam letras nas testas daqueles que atravessam as sendas do Senhor
Escrevem e escrevem
Voam sob as asas do mistério.



SEREI TUA SENTINELA

Se com lábio de pétala
confessas
ao peito a palavra atravessada
da alheia presença
com os olhos manchas
de luz
a terra com amanhecer

o sol não bastava
o que a noite tomava
de teu corpo ocaso
e dava-me a claridade
ou ruína do outono
no vento
Se lembro
era água de cair na água

Se transparece a manhã
que sonhas
ainda fere
de teus olhos
a extinta carruagem
de poentes
que não tocaste
e só sonhei
à margem

SENTIRÁS a terra te envolver
quando insistires o rumo
que imaginaste

Sabias que nunca estavas sozinha
quando quiseste esquecer
que o caminho é o risco
e a palavra

Podes até não entender
que a ilusão tem, às vezes,
mais calor que o sol

Sentirás a terra te envolver
teus pés de seda poderão até sonhar
mas só terão a companhia das flores
à beira da estrada, que te acompanharão
sem te abandonar

NÃO TENHA PRESSA, nossa existência é eterna
e você irá ler este poema uma dia quando estiveres sozinha
ou quando num momento de alegria escapar-te a solidão
para leres o que de nós se sabia
nas linhas em que o verso dura
- a oferta do universo que é apenas uma leitura

Quem sabe estas palavras serão tuas
amigas em tua solidão
como a lua,
uma ruína de teu sol

Quem sabe qualquer palavra
e não a minha
fará te confessar
do amor que se perdeu por ternura
e do peito fugiu com rumor de asa
no cavalo imprescindível, no ruir da memória
por sobre o véu de espuma silenciosa
entre a rocha dura
e o poema mais escuro.

       QU   SONETO DE AMOR E DE MORTE

A morte é um perfeito viver
A Hora é o que haveremos de ter
A vida é um perfeito morrer
A Hora é o que haveremos de ver
e saber o que isso quer dizer.

Em um palavra todas as outras

Como não escrever?
Dá no mesmo calar e ceder
Queres tentar? Olhe ao redor
Tuas mãos sabem melhor
Deus é um nome e eu sou
o que acaba de me matar.
Sofrer ou gozar, que bobagem
aos sete sonos, às sete moradas
Do atravessar que arruma a casa

Amar viver fazer destruir

SE COM LÁBIO DE PÉTALA
confessas
ao peito a palavra atravessada
da alheia presença
com os olhos manchavas
de luz
a terra com amanhecer

o sol não bastava
o que a noite tomava
de teu corpo-ocaso
e dava-me a claridade
ou ruína do outono
no vento.

Se lembro
era água de cair na água

Se transparece a manhã
que sonhas
ainda fere
de teus olhos
a extinta carruagem
de poentes
que não tocaste
e só sonhei
à margem

             
O BATISMO DO CRISTAL

Eis o batismo do cristal
eis a emboscada das mariposas
eis —

Eis a ambiguidade do ocaso
eis a casa, eis a casa

Eis —

(Estava lá, na chuva, o corpo de Aquiles
Estava lá nossos filhos e onde moraste)

Eis o que basta, onde Deus é o que basta

Eis o sol dentro do orvalho
eis o nada

Eis.

  ÍCARO, À NOITE

Talvez ao luar fora mais próximo Ícaro
    Talvez ao primeiro sol sobre o mar que terá o seu nome
o sol ancestral, o labirinto de diamante
Talvez ao luar fora mais próximo Ícaro
Ícaro ao luar, pensativo, Ícaro Menino
Sobre o mar feminino, Ícaro luar
Ícaro a mergulhar
Ícaro, peixe no sonho do mar
Talvez o menino, senhor do labirinto
e seus diamantes da noite, e o luar. 
Ícaro sozinho.

DESPREZO

São lábios de pétala
que confessam laivos
de pedra

arranhada de ternura
tem os olhos manchados
de luz

para a terra que a rodeia
o sol não basta e é
breve

uma centelha para a noite
o seu corpo aceso de astros sem
dor

toma todos os corpos oceano
água de todas as águas,
senhora

foi quem me apresentou ao eterno
foi o toque lúcido e desperto
   ainda

AGORA QUE DEVO ATRAVESSAR

agora que devo atravessar
deixo o rio falar
este que sou eu
vai aos poucos
revelar
a água
e a memória.

Agora que devo te chamar
deixo a palavra em meu lugar
para nos entendermos
aos pares.
Ela e eu, sozinha.

A palavra para ficar
E o poema
Onde eu possa te seguir.


HÁ DE SE SALVAR O QUE TE CRIOU

Há de se salvar o que te criou sob a chuva
Há de se salvar o que te criou sob o sol.

Como será o sonho da morte? A vida?
E o melhor da vida é o que não se viveu?
Sabias que o vento é o rio e nós somos peixes?

No fundo, a maré sopra "não há respostas",
Nem a verdade é resposta.
O vento do fundo tem longa voz.
É verde como as algas mortas
E não dorme.

- Recolho-me,
e te vejo enfim voar.

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