Os sinais foram dados: escrever é um risco que fere e não cura o seu definitivo corte. Riscamos uma palavra para buscar outra que era aquela que se
queria, e ela te desafia. Eis o exemplo: a palavra amizade e amor
têm a mesma origem. Recuamos para aprender, para escrever é necessário recuar,
e assim estamos à frente indo para trás.
Até o mar recua e é certo que vai voltar para que entendas o que
acontece com as palavras. Elas são recuos necessários, como a primeira lição
das palavras: retroceder e se estender.
Quero escrever sobre isso, porque escrever é como
antecipar ou restituir e somente com liberdade é possível reinventar. É meio
assim como Orfeu que desceu à Mansão dos Mortos. Ele atravessou a morte para
reunir o que havia perdido e novamente perder. Era seu ofício: reunir. Escrever
é assim também: reunir para depois perder.
Assim, quero dar a liberdade da dispersão. Escrevemos
para o ar que é onde reside a palavra, essa palavra na qual eu te falo e nela
eu sei descer e sei voltar, porque aprendi a ser errante no ar.
É onde a fisionomia do nada é o neutro lugar. O ar pode ir
a qualquer lugar. É a natureza do dizer, o nada no ar.
Acredito na leitura que farás disso algo melhor porque
estaremos ligados pela criação que é uma forma de saber. E tu vais com o ar, à liberdade. E eu vou com o elemento nunca quieto: a água, maternal, a que contorna e se deixa atravessar. Já que estamos perdendo constantemente as coisas, e
isso, às vezes, nós não percebemos, conhecer é também saber passar.
A água ensina a ir. O ar, a conduzir. E entre esses dois, eu e tu e a missão de proteger algo que se perde constantemente? E como proteger tudo isso? Escrevendo. Como criar a proteção das coisas que nunca teremos? Escrevendo. Nesse
pensar sem dor a mais intelectual das paixões, o ler e deixar as margens escorrer
pelos dedos. Escrever, a febre fria de saber e esquecer.
Escrever.
É onde posso te dizer com o estilete, uma caneta, um
cursor na água que se dispersa e se derrama, um filete, a lâmina, a linha.
Entretanto, não posso ser suave, não posso me contradizer,
é preciso cortar, e escrever.
E tudo tão semelhante como a água, uma fuga que se
esparrama.
Corre, singra e derrui.
Benilton Cruz
Comentários
Postar um comentário