Pular para o conteúdo principal

SAGRAÇÃO DE UM CAVALEIRO DIANTE DE SUA DAMA (Com algumas citações do Quixote)


                                                               

− Sagre-me, agora, o seu cavaleiro, minha Senhora, que nunca vos tocarei além do coração. Perto ou longe da sua presença, serei fiel e zelarei pela vossa honra que me faz cavaleiro. Sagrai-me, agora, com o seu olhar que é belo como belas são a beleza e a discrição. Sagrai-me com o vosso toque agora, sob a espada mais amarga da palavra e da ilusão.
Meu nome será Cavaleiro da Princesa Azul ou Cavaleiro da Amiga Melancólica, pois que todo cavaleiro tem vários nomes para a vossa dama, para ser dois ou vários para defendê-la.
Caso não morra em combate e caso venha a morrer em minha cama - que é a última glória de todo cavaleiro, farei meu testamento outorgando-vos todas as minhas conquistas, esse meu pequeno reino da palavra em meu poema.
“Senhora dos meus pensamentos”, num lugar em vosso coração, “de cujo nome não quero lembrar-me”, prometo que nunca lembrarei do nome do lugar onde possais me colocar, mas prometo ser vosso cavaleiro para protegê-la do amor ou do contra-amor que possa vir a abatê-la.
Senhora, vossa liberdade me “afiança a glória de partir”, pois que prefiro ser cavaleiro a poeta que “é enfermidade incurável e pegadiça”. Serei vosso cavaleiro das palavras para galgar “a língua que é o primeiro degrau para a ciência”. Sim, a poesia é também a minha “donzela, meiga, juvenil e formosíssima” e me dará a “fama e nome estimado em todas as nações civilizadas do mundo”.
O motivo disso é, minha Senhora, “que a arte não vence a natureza, mas a aperfeiçoa”. Só peço isso, minha Senhora, deixe-me ser vosso cavaleiro que a ”pena é a língua da alma” e que “tenho inimigo visíveis e invisíveis”, e não digo que sou “louco, mas atrevido” e “cada qual que cumpra com a sua obrigação; esta é a minha”.


                           Benilton Cruz
                           Do livro Aedeus (Inédito)





Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UM DIA DE FESTAS - POR ADALBERTO MOURA NETO

Recital em frente à casa onde nasceu o poeta Antônio Tavernard, em Icoaraci. Hoje se concretiza o sonho de reerguer este espaço como a merecida Casa do Poeta, na visão de Adalberto Neto e endossado pelo autor do livro Moços & Poetas. Publico hoje, na íntegra um artigo de um grande agitador cultural de Belém, em especial de Icoaraci. Trata-se de um relato sobre uma justa homenagem àquele que é considerado como um dos maiores poetas paraenses: Antônio Tavernard.  O que me motiva esta postagem - e foi a meu pedido - é que a memória cultural do nosso estado vem de pessoas que fazem isso de forma espontânea. O Adalberto Neto é aquele leitor voraz e já um especialista no Poeta da Vila - e isso é o mais importante: ler a obra de Tavernard é encontrar: religiosidade, Amazônia, lirismo, musicalidade romântico-simbolista, um tom épico em seus poemas "em construção" e um exímio sonetista, e eu diria: Tavernard faz do soneto um minirromance.  Fico feliz pelo Adalberto Neto, o autor d...

AO CORAÇÃO DO MAESTRO (PEQUENA CRÔNICA PÓETICA)

O coração do poeta encontrou o coração do maestro em outubro de 2023 e desde então conversavam como se fossem dois parentes que fizeram uma longa viagem a rumos diferentes e que se reencontravam de repente. O coração do maestro ensinava; o coração do poeta ouvia. Quem ensina é o coração; quem aprende é também o coração. Dois irmãos. - Um coração para duas mentes diferentes. O coração do maestro regia as histórias, as lendas, os mitos, a ópera, a música; o coração do poeta dizia: sonho com o verso, o certeiro acorde, do maestro como ópera e como canção, como rima, como melodia, como ode. E alegria. Era muita cultura, para muito mais coração. Era quase todo dia, um projeto, uma ideia, uma música, um hino, o coração do poeta escrevia: "Homens livres e de bons costumes/ irmãos do espírito das letras/ levantai a cantar a Glória do Arquiteto Criador/ Homens Livres e de bons costumes/ Irmãos do espírito das Letras/ Aprumai a voz ao coração/ que a pena é mais forte que o canhão/ Às Letras...

A ORIGEM DO FOGO — LENDA KAMAYURÁ

    Lenda colhida pelos irmãos Villas Boas. Posto Capitão Vasconcelos à margem do arroio Tuatuari, em 16/06/1955.    Na Amazônia, todos os povos indígenas têm lendas sobre a origem do fogo. Elas diferem entre as etnias, embora o processo seja o mesmo: uma flecha partida em pedaços e uma haste de urucum.  Das lendas que ouvimos sobre a origem do fogo, a que mais nos pareceu interessante foi a narrada por um velho Kamayurá.                                                     “Canassa — figura lendária, caminhava no campo margeando uma grande lagoa. Tinha a mão fechada e dentro, um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como tinha frio, acocorou-se para aquecer à luz do vaga-lume. Nisso surgiu, vindo da lagoa, uma saracura que lhe disse: ...