"E Onde está o Modernismo nas páginas de Orpheu? A resposta é que não há certidão de nascimento do moderno sem se passar pelo crivo da consciência da negatividade. O moderno, no caso, é o que é desconhecido pelos antigos: a força e a energia, propostas justamente reclamadas pelo Futurismo. Entram em cena, portanto, resquícios futuristas na nova estética e saem, dentre outras coisas, a beleza e a harmonia, as duas vertentes imprescindíveis dos clássicos. O motor propulsor do Modernismo da Orpheu está na “Ode Triunfal”, escrito em Londres, em 1914, justamente o último poema da revista. "
O CENTENÁRIO DA REVISTA ORPHEU
Benilton Cruz
Artigo publicado na Gazeta de Alagoas
em 02.05.2015
A revista Orpheu surgiu praticamente em Copacabana, como se diz, pois o primeiro número, delegado ao jovem português Luiz de Montalvôr, era recém-chegado do Brasil, país de outro então “diretor” do periódico, o carioca Ronald de Carvalho, cujo nome e endereço aparecem na folha de rosto da primeira edição, saída em fins de março de 1915, com a tiragem de 100 exemplares, na Livraria Brasileira, em Lisboa.
O projeto luso-brasileiro logo é descartado, pois dois colaboradores brasileiros, Ronald de Carvalho e Eduardo Guimaraens, são “excluídos por estreiteza de tempo e largueza de distância”, confessou mais tarde, Fernando Pessoa. Isso, porém, não apaga a contribuição brasileira ao feito, e só assinala uma das características do Modernismo: esse trânsito de ideias concernente a artistas e intelectuais entre as nações, uma vez que não existe Modernismo sem viagens dos transatlânticos, trens de ferro e automóvel: o Modernismo não foi a pé aos grandes centros culturais.
Todavia, mais do que imaginar a primeira edição como um projeto de intercâmbio luso-brasileiro, o que sedimentava a revista, dentre outras coisas, era o contexto muito heterogêneo, esse mesmo o qual permitia o convívio de tendências mais atuais à época, como o Simbolismo neorromântico ou Simbolismo modernista. O ambiente era dominado, então, por jovens poetas entre eles, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada Negreiros, dentre outros, almejando sentir ou tocar todas as literaturas, pois na revista já estava a semente do Sensacionismo.
Orpheu representava, assim, o sentido agregador do lendário cantor da Trácia e não foi ao acaso a escolha do nome, dizia Almada Negreiros, o mais jovem integrante do grupo, em uma entrevista, uma vez que estava em jogo um “não olhar para trás e concentrar as forças e as atenções para o futuro”. E nessa época, falar em futuro era puxar briga, pois o Futurismo de Marinetti, conhecido desde 1909, pregava, dentre outras coisas, a guerra como “higiene do mundo”. Sob essas circunstâncias, a revista seria a “súmula e a síntese de todos os movimentos literários modernos”, como diria o próprio Fernando Pessoa, no recém-lançado “Sobre Orpheu e o Sensacionismo”, organizado para dar a entender que o programa teórico do Sensacionismo é da década de 1910, porém presentes em todas as fases do poeta.
E Onde está o Modernismo nas páginas de Orpheu? A resposta é que não há certidão de nascimento do moderno sem se passar pelo crivo da consciência da negatividade. O moderno, no caso, é o que é desconhecido pelos antigos: a força e a energia, propostas justamente reclamadas pelo Futurismo. Entram em cena, portanto, resquícios futuristas na nova estética e saem, dentre outras coisas, a beleza e a harmonia, as duas vertentes imprescindíveis dos clássicos. O motor propulsor do Modernismo da Orpheu está na “Ode Triunfal”, escrito em Londres, em 1914, justamente o último poema da revista.
Mas, uma “Ode”, a canção, em grego antigo, inicia a fase modernista em Portugal? O critério da imitação não poderia ser moderno. O preceito de Rimbaud, o de “é necessário ser absolutamente moderno”, no contexto da nova revista, não pode ser aplicado. Mas, no contexto sensacionista, sim. A Orpheu, como o nome já diz, engloba todas as correntes do tempo e acrescenta uma nova forma de ver a Realidade e a Vida, uma nova forma de expressão das sensações e dos pensamentos.
A Orpheu vai agregar ideias mais díspares no cenário da poesia, pois vai do Decadentismo ao Futurismo, e isso mesmo não deixa de ser a marca maior dessa barca chamada Orpheu. E como não há Modernismo sem a teorização feita pelos seus próprio agentes em causa, outro fator decisivo do periódico foi o de ser o ponto de partida para as discussões em torno de Modernismo e de Vanguarda, conceitos bem distintos, principalmente para Pessoa que via no primeiro “a concepção de arte virada para si próprio” e no segundo, “o espaço do múltiplo, dos cruzamentos, das misturas, da montagem, a valorização da arte infantil, da arte naïf, da arte dos ‘primitivos’, em que tudo que é excêntrico conta”.
A questão do público é um ponto à parte. Segundo Modris Eksteins, autor de A Sagração da Primavera, livro que estuda, dentre outras coisas, o efeito retumbante da estreia em Paris do balé homônimo de Stravinsky, em 1913, há-de se dizer que o efeito causado no público é o termômetro na avaliação da nova arte, entre aplausos e vaias. O Modernismo caracteriza-se por dividir opiniões, confrontar, segregar.
Esse desconforto atinge todas as estreias de propostas renovadoras ou a simplesmente marca um outro jeito de fazer arte diante do habitual em todo o século XX. A revista foi um “êxito de escândalo”, principalmente, a recepção do poema “16” de Mário de Sá-Carneiro e, justamente, da “Ode Triunfal” de Fernando Pessoa, estes dois nomes, sim abrem o Primeiro Modernismo Português, nome como ficou, então, conhecida a proposta do movimento.
Mas, diga-se de passagem, que Orpheu não precisa do Modernismo para se autoafirmar, muito menos Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Mais do que isso, ela brota condizente com uma abertura à reflexão estética por conta do seu efeito divisor de águas, ao mesmo tempo em que põe em marcha a sensorialidade como evidência de um diálogo entre as artes. A prova disso é a capa da revista, o desenho de José Pacheco, é inspirado justamente no balé russo patrocinado por Serguei Diaghilev, estreando em Paris sob aplausos e vaias. A capa era a do sacrifício de uma virgem em ritual pagão o qual se pode chamar de A Sagração da Primavera.
A revista é lançada em 1915 dez anos depois do regresso de Fernando Pessoa que em 1905, em sua Lisboa revisitada, a cidade que haveria de receber o poeta, crente de um “não evoluo, viajo”, espécie de disposição anímica nunca, abandonado por Pessoa ao longo de sua vida. O poeta havia também recém-criado, em 1914, os seus principais heterônimos, os nomes para os seus outros eus, a tríade de poetas inesquecíveis, Caeiro-Reis-Campos, o “grupo” mais conhecido da poesia portuguesa.
O poeta plural, como é mundialmente conhecido, não pode ser deixado de lado quando o assunto é o centenário da publicação da revista Orpheu, o periódico que, mesmo com apenas dois volumes, haveria de marcar a capital portuguesa como o epicentro de uma memorável efervescência literária, a ser chamada pelo próprio poeta como a “Escola de Lisboa”, isso porque estava na hora de surgir algo novo a, de certa forma, superar a “Escola de Coimbra”, a cidade-universidade que ainda influenciava os novos poetas e artistas portugueses, e também superar outro movimento, vindo do Porto, cidade da Renascença Portuguesa, a que “é todo em surdina, em segredo” no dizer de Pessoa.
O poeta carregava consigo, portanto, algo não muito confortável. Adorava os reptos, como em Portugal são conhecidos os desafios. Seu desejo era o de superar Camões, haveria de se ver como um supra-Camões, este infausto tormento, que o leva a conviver com outros desafios, evidentemente identificados em seus heterônimos: Ricardo Reis haveria de superar Horácio; Álvaro de Campos ficava com a inglória tarefa de superar Walt Whitman e os futuristas; e, Caeiro, ah, deixem Caeiro com aqueles que acham que “pensar é estar doente dos olhos”, o insuperável, o mestre – na verdade – todos eles são inspirados em Cesário Verde, como o próprio Pessoa havia de confessar, mais tarde.
Superar Camões significava conviver com a sombra do Velho do Restelo, o personagem de Os Lusíadas, aquele que se põe contra o envio da frota mercantil ao distante tendo o inimigo à porta. Esse engenhoso espírito crítico, alegoria da ala descontente a população a defender um Portugal a olhar para suas terras e não para os mares desconhecidos, acompanha decerto o Pessoa crítico da República recém-instalada e de um país ainda sob o efeito do Ultimato inglês, o que obrigou o governo a ceder a parte portuguesa da África oriental ao imperialismo inglês.
Por conta disso, não seria estranho acolher as novidades vindas de Paris e não de Londres. Além do mais, a mistificação vivida durante o Simbolismo-Decadentismo afastava-se das raias clássicas e abria novos portos sob a bruma cerrada da passagem do século. O próprio Pessoa haveria de entender o Decadentismo como Modernismo e assim como muitos outros “novos” que à época ainda enxergavam a essa “novidade” francesa muito atrasada em Portugal. O moderno por si, puro, despido da aura do passado, regido pelo violento pulso da fratura, essa dolorosa palavra, a que será o mote da modernidade, para muitos, aparece em sua pluralidade plena, todavia, só em Álvaro de Campos, principalmente em Ode Triunfal, o último poema da primeira edição da Orpheu.
Mas, afinal de onde vinha a nova arte? A questão se resolve quando olhamos o aparecimento do Sensacionismo, uma estética a pregar que a única realidade é a sensação, a máxima realidade será dada sentindo tudo de todas as maneiras e para isso é preciso ser tudo e todos. A questão fica mais fácil de ser entendida na relação Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, os verdadeiros mentores e diretores da Orpheu.
O essencial de tudo está na sensação que de acordo com a última publicação sobre Pessoa a nos esclarecer muito sobre o Sensacionismo quando diz que sentir é criar e pensar é errar. E só existem três artes, em ordem de importância: a metafísica, a literatura e a música, assim como três são os caminhos para a heteronímia, a parte prática dessa estética, como diz o poeta: “a tua alma é um pseudônimo teu, Deus é um pseudônimo teu, Deus é um pseudônimo nosso. O resultado: viver não é preciso, sentir é que é preciso”..
* É professor da UFPa, Campus de Abaetetuba, e pesquisador de Pós-Doutorado em Aveiro, Portugal, autor do livro “Olhar, verbo expressionista”, sobre a recepção do Expressionismo alemão no romance, “Amar, verbo intransitivo”, de Mário de Andrade.
O CENTENÁRIO DA REVISTA ORPHEU
Benilton Cruz
Artigo publicado na Gazeta de Alagoas
em 02.05.2015
A revista Orpheu surgiu praticamente em Copacabana, como se diz, pois o primeiro número, delegado ao jovem português Luiz de Montalvôr, era recém-chegado do Brasil, país de outro então “diretor” do periódico, o carioca Ronald de Carvalho, cujo nome e endereço aparecem na folha de rosto da primeira edição, saída em fins de março de 1915, com a tiragem de 100 exemplares, na Livraria Brasileira, em Lisboa.
O projeto luso-brasileiro logo é descartado, pois dois colaboradores brasileiros, Ronald de Carvalho e Eduardo Guimaraens, são “excluídos por estreiteza de tempo e largueza de distância”, confessou mais tarde, Fernando Pessoa. Isso, porém, não apaga a contribuição brasileira ao feito, e só assinala uma das características do Modernismo: esse trânsito de ideias concernente a artistas e intelectuais entre as nações, uma vez que não existe Modernismo sem viagens dos transatlânticos, trens de ferro e automóvel: o Modernismo não foi a pé aos grandes centros culturais.
Todavia, mais do que imaginar a primeira edição como um projeto de intercâmbio luso-brasileiro, o que sedimentava a revista, dentre outras coisas, era o contexto muito heterogêneo, esse mesmo o qual permitia o convívio de tendências mais atuais à época, como o Simbolismo neorromântico ou Simbolismo modernista. O ambiente era dominado, então, por jovens poetas entre eles, Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro e José de Almada Negreiros, dentre outros, almejando sentir ou tocar todas as literaturas, pois na revista já estava a semente do Sensacionismo.
Orpheu representava, assim, o sentido agregador do lendário cantor da Trácia e não foi ao acaso a escolha do nome, dizia Almada Negreiros, o mais jovem integrante do grupo, em uma entrevista, uma vez que estava em jogo um “não olhar para trás e concentrar as forças e as atenções para o futuro”. E nessa época, falar em futuro era puxar briga, pois o Futurismo de Marinetti, conhecido desde 1909, pregava, dentre outras coisas, a guerra como “higiene do mundo”. Sob essas circunstâncias, a revista seria a “súmula e a síntese de todos os movimentos literários modernos”, como diria o próprio Fernando Pessoa, no recém-lançado “Sobre Orpheu e o Sensacionismo”, organizado para dar a entender que o programa teórico do Sensacionismo é da década de 1910, porém presentes em todas as fases do poeta.
E Onde está o Modernismo nas páginas de Orpheu? A resposta é que não há certidão de nascimento do moderno sem se passar pelo crivo da consciência da negatividade. O moderno, no caso, é o que é desconhecido pelos antigos: a força e a energia, propostas justamente reclamadas pelo Futurismo. Entram em cena, portanto, resquícios futuristas na nova estética e saem, dentre outras coisas, a beleza e a harmonia, as duas vertentes imprescindíveis dos clássicos. O motor propulsor do Modernismo da Orpheu está na “Ode Triunfal”, escrito em Londres, em 1914, justamente o último poema da revista.
Mas, uma “Ode”, a canção, em grego antigo, inicia a fase modernista em Portugal? O critério da imitação não poderia ser moderno. O preceito de Rimbaud, o de “é necessário ser absolutamente moderno”, no contexto da nova revista, não pode ser aplicado. Mas, no contexto sensacionista, sim. A Orpheu, como o nome já diz, engloba todas as correntes do tempo e acrescenta uma nova forma de ver a Realidade e a Vida, uma nova forma de expressão das sensações e dos pensamentos.
A Orpheu vai agregar ideias mais díspares no cenário da poesia, pois vai do Decadentismo ao Futurismo, e isso mesmo não deixa de ser a marca maior dessa barca chamada Orpheu. E como não há Modernismo sem a teorização feita pelos seus próprio agentes em causa, outro fator decisivo do periódico foi o de ser o ponto de partida para as discussões em torno de Modernismo e de Vanguarda, conceitos bem distintos, principalmente para Pessoa que via no primeiro “a concepção de arte virada para si próprio” e no segundo, “o espaço do múltiplo, dos cruzamentos, das misturas, da montagem, a valorização da arte infantil, da arte naïf, da arte dos ‘primitivos’, em que tudo que é excêntrico conta”.
A questão do público é um ponto à parte. Segundo Modris Eksteins, autor de A Sagração da Primavera, livro que estuda, dentre outras coisas, o efeito retumbante da estreia em Paris do balé homônimo de Stravinsky, em 1913, há-de se dizer que o efeito causado no público é o termômetro na avaliação da nova arte, entre aplausos e vaias. O Modernismo caracteriza-se por dividir opiniões, confrontar, segregar.
Esse desconforto atinge todas as estreias de propostas renovadoras ou a simplesmente marca um outro jeito de fazer arte diante do habitual em todo o século XX. A revista foi um “êxito de escândalo”, principalmente, a recepção do poema “16” de Mário de Sá-Carneiro e, justamente, da “Ode Triunfal” de Fernando Pessoa, estes dois nomes, sim abrem o Primeiro Modernismo Português, nome como ficou, então, conhecida a proposta do movimento.
Mas, diga-se de passagem, que Orpheu não precisa do Modernismo para se autoafirmar, muito menos Mário de Sá-Carneiro e Fernando Pessoa. Mais do que isso, ela brota condizente com uma abertura à reflexão estética por conta do seu efeito divisor de águas, ao mesmo tempo em que põe em marcha a sensorialidade como evidência de um diálogo entre as artes. A prova disso é a capa da revista, o desenho de José Pacheco, é inspirado justamente no balé russo patrocinado por Serguei Diaghilev, estreando em Paris sob aplausos e vaias. A capa era a do sacrifício de uma virgem em ritual pagão o qual se pode chamar de A Sagração da Primavera.
A revista é lançada em 1915 dez anos depois do regresso de Fernando Pessoa que em 1905, em sua Lisboa revisitada, a cidade que haveria de receber o poeta, crente de um “não evoluo, viajo”, espécie de disposição anímica nunca, abandonado por Pessoa ao longo de sua vida. O poeta havia também recém-criado, em 1914, os seus principais heterônimos, os nomes para os seus outros eus, a tríade de poetas inesquecíveis, Caeiro-Reis-Campos, o “grupo” mais conhecido da poesia portuguesa.
O poeta plural, como é mundialmente conhecido, não pode ser deixado de lado quando o assunto é o centenário da publicação da revista Orpheu, o periódico que, mesmo com apenas dois volumes, haveria de marcar a capital portuguesa como o epicentro de uma memorável efervescência literária, a ser chamada pelo próprio poeta como a “Escola de Lisboa”, isso porque estava na hora de surgir algo novo a, de certa forma, superar a “Escola de Coimbra”, a cidade-universidade que ainda influenciava os novos poetas e artistas portugueses, e também superar outro movimento, vindo do Porto, cidade da Renascença Portuguesa, a que “é todo em surdina, em segredo” no dizer de Pessoa.
O poeta carregava consigo, portanto, algo não muito confortável. Adorava os reptos, como em Portugal são conhecidos os desafios. Seu desejo era o de superar Camões, haveria de se ver como um supra-Camões, este infausto tormento, que o leva a conviver com outros desafios, evidentemente identificados em seus heterônimos: Ricardo Reis haveria de superar Horácio; Álvaro de Campos ficava com a inglória tarefa de superar Walt Whitman e os futuristas; e, Caeiro, ah, deixem Caeiro com aqueles que acham que “pensar é estar doente dos olhos”, o insuperável, o mestre – na verdade – todos eles são inspirados em Cesário Verde, como o próprio Pessoa havia de confessar, mais tarde.
Superar Camões significava conviver com a sombra do Velho do Restelo, o personagem de Os Lusíadas, aquele que se põe contra o envio da frota mercantil ao distante tendo o inimigo à porta. Esse engenhoso espírito crítico, alegoria da ala descontente a população a defender um Portugal a olhar para suas terras e não para os mares desconhecidos, acompanha decerto o Pessoa crítico da República recém-instalada e de um país ainda sob o efeito do Ultimato inglês, o que obrigou o governo a ceder a parte portuguesa da África oriental ao imperialismo inglês.
Por conta disso, não seria estranho acolher as novidades vindas de Paris e não de Londres. Além do mais, a mistificação vivida durante o Simbolismo-Decadentismo afastava-se das raias clássicas e abria novos portos sob a bruma cerrada da passagem do século. O próprio Pessoa haveria de entender o Decadentismo como Modernismo e assim como muitos outros “novos” que à época ainda enxergavam a essa “novidade” francesa muito atrasada em Portugal. O moderno por si, puro, despido da aura do passado, regido pelo violento pulso da fratura, essa dolorosa palavra, a que será o mote da modernidade, para muitos, aparece em sua pluralidade plena, todavia, só em Álvaro de Campos, principalmente em Ode Triunfal, o último poema da primeira edição da Orpheu.
Mas, afinal de onde vinha a nova arte? A questão se resolve quando olhamos o aparecimento do Sensacionismo, uma estética a pregar que a única realidade é a sensação, a máxima realidade será dada sentindo tudo de todas as maneiras e para isso é preciso ser tudo e todos. A questão fica mais fácil de ser entendida na relação Fernando Pessoa e Mário de Sá-Carneiro, os verdadeiros mentores e diretores da Orpheu.
O essencial de tudo está na sensação que de acordo com a última publicação sobre Pessoa a nos esclarecer muito sobre o Sensacionismo quando diz que sentir é criar e pensar é errar. E só existem três artes, em ordem de importância: a metafísica, a literatura e a música, assim como três são os caminhos para a heteronímia, a parte prática dessa estética, como diz o poeta: “a tua alma é um pseudônimo teu, Deus é um pseudônimo teu, Deus é um pseudônimo nosso. O resultado: viver não é preciso, sentir é que é preciso”..
* É professor da UFPa, Campus de Abaetetuba, e pesquisador de Pós-Doutorado em Aveiro, Portugal, autor do livro “Olhar, verbo expressionista”, sobre a recepção do Expressionismo alemão no romance, “Amar, verbo intransitivo”, de Mário de Andrade.
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