Todo dia enfrentar a morte, o último exílio, praticar o
mortal círculo da vitalidade. Todo dia renascer a palavra. Todo dia ser alguém
que já foi e novamente ser o outro de si mesmo. O ciclo vital não exclui morrer
e viver, morro agora para viver o risco de viver e morrer novamente.
Na adversidade, esperei; na fartura, temi.
Não sei que nome posso dar ao que escrevo, assim está melhor,
terei segurança nesta parte que me é insegura, entendes? Assim posso ter o que
é meu nesse jogo com o desconhecido. Sei que a palavra mais bela pode ser a
mais falsa e que a palavra mais feia pode ser a mais sensata.
Escrever bonito pode ser uma forma de esconder outro tipo
de miséria, a ilusão do belo diante do destino que nem os deuses podem evitar.
Prefiro escrever por inícios que é como o primeiro homem diante do ato de
lembrar quando seu único recurso é a escrita; o primeiro a rabiscar com o carvão,
o primeiro traço em algum canto de uma caverna, como agora esse papel é a
caverna ou a memória, e o carvão, esta caneta ‒ a primeira criança.
É com esse carvão que te escrevo ou desenho na parede mais
escondida o desenho da minha mão, esta sim é quem escreve, o contorno da mão é
o que fica em toda caverna.
Se a palavra me tira o poder de dizer, qual é o seu poder?
Se a palavra segue a ordem de nada deixar, então ela é parte desse vazio que
permanece a vagar para ser lida e novamente escrita de outra forma. Escrever é
esbanjar a promessa de perpetuar o que foge continuamente. Quanta ingenuidade
minha: a escrita me refaz toda vez que sou lido. Imaginem a escrita em torno
dela mesma: insetos em torno da lâmpada, fogo e iluminação. Escrever é uma lida com insetos e a promessa de calor.
16.03.2018
Benilton Cruz
Comentários
Postar um comentário