Quando escreve, todo homem olha para
trás como Orfeu porque sempre se perde o que se cria e é da natureza de quem
cria desafiar e despedaçar-se - nesse ofício, pois foi ele quem ajuntou os
homens, deuses e animais na sua função de aglomerar e de partir, abrir novos
rumos e descer ao invisível, - o Hades, um lugar para não impressionar, mas de
comover, de nada lembrar, mas de retornar e de nada trazer.
Eis o poeta.
Escrevemos o que perdemos, e assim, deixo
fluir essas linhas como o rio que me ensinou a ir só para frente, e me mostrou
que retornar é o mesmo caminho – o de a água purificar - e quando se pode acatar
os remansos, essas estranhas curvas e suas forças para dentro, escrever é
anunciar uma existência que está para surgir e não para ficar ou insistir.
E cada letra que cai desenha o seu próprio destino, em sua forma de nada ou de
tudo e entre essas duas palavras, o poeta a dizer de Alguém para Ninguém, em
seu persistir.
Francamente, escrever é uma forma de
aceitar o que não podemos destruir. Que posso eu fazer diante disso? Quem ou o
que me trouxe até aqui? Acatar um ciclo sem paz, por ti, ou por qualquer coisa
que seja: uma palavra por si só é muito pobre, mas é o tudo que tenho. E é
preciosa, a linguagem, e o seu silêncio, estar entre duas margens. E ambos me deixam atônito pois nenhum dos
dois responde à própria palavra.
03.03.2018
Benilton Cruz
03.03.2018
Benilton Cruz

Le Testament d'Orphée - De Jean Cocteau - 1960.
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