A poesia dialogada, talvez, seja, por reminiscência, uma intrínseca memória do teatro, quando este gênero, em especial, desperta a reflexão em seus ouvintes, a partir da fala ou dos gestos das personagens em ação.
No texto a seguir, imaginei Platero, o burrinho da obra de Juan Ramón Jiménez, a que inicia com a célebre passagem "Platero era pequeno, peludo, suave, tão brando por fora que se diria feito de algodão" em um diálogo com Rocinante, o cavalo de Dom Quixote, um rocim, um animal velho, feio, fraco e de pouco valor.
Os dois escritores espanhóis jamais imaginariam um encontro entre suas personagens - esta tarefa coube a mim, admirador desses dois importantes nomes da literatura espanhola, talvez pelo fato de acreditar que Dom Quixote possa ser lido para crianças e Platero para os idosos.
PLATERO
E ROCINANTE
— O
que levas, Rocinante, um homem ou um sonhador?
— Não
sei. Sei que ele é como eu sou. Melancólico e triste, e me diz que é o meu
senhor. Eles dizem que são amigos como eu de Ruço sou. Talvez um pouco de
amizade possa ser bom. Temos em comum a amizade, o que é um belo tema para um
poema e para a vida.
— E
tu, Platero porque somos palradores?
— É
verdade, conversamos enquanto comemos, e nossos amos nem percebem o que
dizemos.
— Se
soubessem, nos matariam, pois só rimos e rimos desses seres que acham que a palavra
tem sentido. Por isso evitamos falar ou escrever. Não há nada mais doido do que
querer dizer as coisas por meio de desenhos e grunhidos.
— Até
Sancho é louco ao aceitar a Baratária ilha e a glória.
—
Tanta loucura por tão pouca vitória.
—
Enfim, a obra é melhor que a vida.
— Sem
dúvida, e o caminho é onde podemos caminhar sem nos sentirmos sozinhos.
Benilton Cruz
(Do livro, No meio do teu coração há um rio. Antologia Poética Abaetetuba, São Paulo: Paco Editorial, 2016).
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