Outro Lugar: sobre as crônicas e os poemas de Patrícia Lio
Por Benilton Cruz
Por Benilton Cruz
Para Clarice Lispector, a crônica sempre foi uma
maneira de descobrir o mundo, nome de um de seus livros, e a poesia, por sua
vez, de acordo com Jorge Luis Borges, é uma forma de ler, ato de um encontro, descobrir
a página que contém a poesia e ouvi-la. E para Lygia Fagundes Telles, sobre a questão da leitura, "em um país onde se lê muito pouco e muito mal", o nosso querido
Brasil, acrescentamos a esse drama que descobrir um novo autor seria
privilégio, e mais especificamente se deparar com uma nova autora, isso seria
privilégio em dose dupla. Sim, afinal, de antemão, a literatura não tem sexo,
ela tem voz - essa voz que oscila no mundo vasto mundo, entre cadernos,
agendas, blogs e em poucas prateleiras das livrarias.
Infelizmente o ambiente das letras é o do reinado do
Logocentrismo - a escritura do “logos” - a palavra sob o domínio de um
patriarcalismo do discurso, aqui no sentido do escrever acima da prática do
ouvir, e sexista quando cunha, por exemplo, a palavra "feminina" como extensão de "fé minus" ou seja, aquela que tem a fé menor. A literatura, convenhamos, sempre foi algo da escuta, para o ouvido e nesse sentido as grandes escritoras surgem assim sem precisar impor apenas um lado da humanidade, o da mulher. O texto funciona por si e tem voz diz e não precisa ser feminista para ter o seu lugar ao sol E isso não exclui a experiência a mulher como algo isolado, pelo contrário, universaliza-se e se torna voz.
O texto de Patrícia Lio, do blog “Outro Lugar” diz exatamente dessa voz que se
escuta exatamente em outro lugar, longe da patrística da cultura textual e liberta acorde pessoal, instransferível, autoral. E, curiosamente, ela
se chama "Patrícia", do latim “patricius” da nobreza romana, a
escritora que gostaria de divulgar hoje no Entre Palavras, na minha seleção de alguns
poemas e crônicas.
Ouça-a:
1 -
“tenha auto-estima, seja forte, equilibrado, se
solte, não chore, chore, seja leve, evite ser bobo, evite brigar, exija seus
direitos, coma menos, ame, ame mais, não ame demais, se ame, não seja egoísta,
seja altruísta, durma bem, trabalhe menos, me ame, pague suas contas em dia,
tenha filhos, te amo, adote animais, case, se separe, namore, seja solteiro,
salve o planeta, lave os pratos, ande andando, tome remédio, seja natural, se
autocure, pague um psiquiatra, não compre cachorros, esqueça o cigarro, me esqueça,
compre sapatos, te esqueço, se vista bem, não se preocupe com a aparência, me
chame de linda, venda seu carro, seu lindo, adote uma bicicleta, guarde suas
chaves, seja simpático, dance, fale alto, aprenda a ouvir, aprecie o silencio,
não me ofenda, viaje mais, durma em casa, vai para a merda, reduza gastos,
planeje mais, não se preocupe, seja livre, não me preocupo, ligue a tv, leia
Pirandello, olhe pra frente quando eu olhar para trás.”

2 -
“A beleza é medida
pela falta dela, se dá pouca atenção a beleza genuína. Mulheres fantasiadas são
bem quistas. O que há por trás de um cabelo escovado, unhas pintada, e uma
roupa bem composta? Me perguntei sem responder quando percebi um alguém olhando
minhas unhas dos pés, que a semanas estão negligenciadas por falta de tempo e
vontade de ir a pedicure.
O que pode ter de belo por trás de um esmalte rosa mangueira vencido nos dedos dos pés? Respondo: A beleza de uma muher que trabalha, estuda e cuida dos seus pequenos grandes prazeres. Uma mesma mulher que adora ler, e prefere fazê-lo ao perder uma hora de relógio, ou mais, no salão de beleza. Uma mulher que troca o tempo de adornar-se para curtir um passeio no parque com o filho ou uma conversa alcoólica entre amigos. Uma balzaquiana que se dá ao luxo de limpar as fezes da sua gata, passar suas calcinhas, e criticar a novela em troca de gastar suas folgas no shopping contabilizando as novidades da estação que pode ou não comprar.
Existe beleza mais genuína que uma mulher que toma seu tempo cultivando seus prazeres, ao invés de tentar cativar os desejos dos outros?”
O que pode ter de belo por trás de um esmalte rosa mangueira vencido nos dedos dos pés? Respondo: A beleza de uma muher que trabalha, estuda e cuida dos seus pequenos grandes prazeres. Uma mesma mulher que adora ler, e prefere fazê-lo ao perder uma hora de relógio, ou mais, no salão de beleza. Uma mulher que troca o tempo de adornar-se para curtir um passeio no parque com o filho ou uma conversa alcoólica entre amigos. Uma balzaquiana que se dá ao luxo de limpar as fezes da sua gata, passar suas calcinhas, e criticar a novela em troca de gastar suas folgas no shopping contabilizando as novidades da estação que pode ou não comprar.
Existe beleza mais genuína que uma mulher que toma seu tempo cultivando seus prazeres, ao invés de tentar cativar os desejos dos outros?”

3 –
“Pegar em flagrante meu marido ouvindo a portas fechadas músicas de
Vanessa da Mata foi pior do que, em seguida, descobrir sua conversinha
particular, pelo msn, com uma antiga namorada e atual admiradora.
Desgraçado me presenteou com o cd da cantora no meu aniversário, e reclamava sempre quando escutava na sua presença, manifestando seu mal-estar com as canções estridentes e irritantes da cantora, agora espera eu dormir pra ouvir sozinho. Sozinho???
- O que tá acontecendo?
Esbravejei abrindo a porta.
- Oi amor...to aqui terminando o layout.
Respondeu o dito cujo amedrontado.
- Layout o escambal. Que direito tomas de ouvir Amado, e ainda...deixa eu ver? Ah, tinha que ser com essazinha!!! E ainda Vanessinha da Mata fazendo companhia? Que covardia!
- Amorzinho, vai dormir, não é nada disso!
Tomei o teclado e expressei minha indignação com a terceira pessoa que, por falta de tecnologia disponível, não podia ouvir a gritaria.
Olha aqui QUERIDA, você não me conhece e reze para não cruzar meu caminho. Você gosta de Vanessa da Mata? Pois se gosta é melhor mudar de opinião. Você sabia que ela mudou de nome hoje? Pois é, agora se chama Vanessa Mata!!
Desgraçado me presenteou com o cd da cantora no meu aniversário, e reclamava sempre quando escutava na sua presença, manifestando seu mal-estar com as canções estridentes e irritantes da cantora, agora espera eu dormir pra ouvir sozinho. Sozinho???
- O que tá acontecendo?
Esbravejei abrindo a porta.
- Oi amor...to aqui terminando o layout.
Respondeu o dito cujo amedrontado.
- Layout o escambal. Que direito tomas de ouvir Amado, e ainda...deixa eu ver? Ah, tinha que ser com essazinha!!! E ainda Vanessinha da Mata fazendo companhia? Que covardia!
- Amorzinho, vai dormir, não é nada disso!
Tomei o teclado e expressei minha indignação com a terceira pessoa que, por falta de tecnologia disponível, não podia ouvir a gritaria.
Olha aqui QUERIDA, você não me conhece e reze para não cruzar meu caminho. Você gosta de Vanessa da Mata? Pois se gosta é melhor mudar de opinião. Você sabia que ela mudou de nome hoje? Pois é, agora se chama Vanessa Mata!!
[...]”
4-
“Jornalista
Pietra Oliveira entrevista o Psicólogo Patricio Lima.
Jornalista: Amor a primeira vista existe?
Psicólogo: Não. Ele simplesmente acontece, se existe ou não é um assunto pra outra discussão.
Jornalista: Como assim? Vamos discutir!
Psicólogo: Ok. O amor a primeira vista aparece primeiro, sendo que as vezes não. Antes de mais nada envolve as partes cabidas. Vale dizer que ocorre numa situação recíproca, caso contrário digo que é platônice adolescêntica.
Jornalista: Mas como saber se é recíproco, ou platônico?
Psicólogo: Díficil não me parece. Meus estudos científicos aliados aos depoimentos de alguns muitos pacientes me disseram que basta o olhar. É igual ao orgasmo, você só sabe quando sente. Se você duvida é porque não rolou.
Jornalista: Para pessoas que nunca tiveram orgasmo posso dizer que saberão do amor a primeira vista e do orgasmo com a mesma complexidade ?
Psicólogo: Claro, fique tranquila em relação a isso, no fundo é a mesma coisa. Minha filha, não tem nada demais. Apesar do orgasmo ser mais fácil do que o amor a primeira vista, posso dizer com clarividência que os dois tem quase o mesmo sabor.
Jornalista: Amor a primeira vista existe?
Psicólogo: Não. Ele simplesmente acontece, se existe ou não é um assunto pra outra discussão.
Jornalista: Como assim? Vamos discutir!
Psicólogo: Ok. O amor a primeira vista aparece primeiro, sendo que as vezes não. Antes de mais nada envolve as partes cabidas. Vale dizer que ocorre numa situação recíproca, caso contrário digo que é platônice adolescêntica.
Jornalista: Mas como saber se é recíproco, ou platônico?
Psicólogo: Díficil não me parece. Meus estudos científicos aliados aos depoimentos de alguns muitos pacientes me disseram que basta o olhar. É igual ao orgasmo, você só sabe quando sente. Se você duvida é porque não rolou.
Jornalista: Para pessoas que nunca tiveram orgasmo posso dizer que saberão do amor a primeira vista e do orgasmo com a mesma complexidade ?
Psicólogo: Claro, fique tranquila em relação a isso, no fundo é a mesma coisa. Minha filha, não tem nada demais. Apesar do orgasmo ser mais fácil do que o amor a primeira vista, posso dizer com clarividência que os dois tem quase o mesmo sabor.
[...]”
5 –
“Eu
eu quero
eu quero te beijar
eu quero te beijar levemente
eu quero te beijar levemente bêbada
eu quero te beijar levemente bêbada de vinho
eu quero te beijar levemente bêbada de vinho tinto.”
eu quero
eu quero te beijar
eu quero te beijar levemente
eu quero te beijar levemente bêbada
eu quero te beijar levemente bêbada de vinho
eu quero te beijar levemente bêbada de vinho tinto.”
Mais, leia (e escute a voz da patrística experiência feminina, e essencialmente humana da autora) no blog
Outro Lugar
http://patricialio.blogspot.com.br/
Que honra Benilton Cruz, Outro Lugar por aqui. Você me deu um lindo presente, ao me oferecer a Patricia Lio que estava sonolenta, com tantas demandas de vida. Sinto que um bom escritor, antes de saber escrever, aprende a olhar. E um olhar singelo, profundo e inspirador vi em suas palavras. Gratidão pelo encontro.
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