Pular para o conteúdo principal
"ARRISCA-TE SER A PRÓPRIA LINHA"


 


Três perguntas para Roseli Sousa, autora do recém-lançado "Lâminas nos Olhos", livro provocador de novas leituras sobre questões pertinentes ao universo da poeta. Ela tem uma história muito peculiar com a poesia, as artes plásticas, as antologias, a educação, a atuação política, a religião, e a mulher. E ela responde:
1.     Na sua carreira literária, como surgiu este seu novo livro?
R: O novo livro surgiu de um período de amadurecimento de uma jornada de trinta e três anos. É um livro de bolso que  traz  poemas de uma fase que me permiti ser observante do tempo presente sem necessariamente estar na cena. Período em que frutos amadurecem, escrevi dois livros antes de “Lâminas nos Olhos”, que ainda não estão disponíveis ao público porque  “estão na fervura da panela”. Vivo e produzo literatura sem amarras à editoras, porque optei por uma produção independente e ainda, afastadas de politicas culturais voltadas a editais que escamotearam, ao meu ver, uma ação mais série e contínua de politica cultural efetiva, que significaria, uma produção imersa no dia-a-dia da cidade: nas escolas, nas livrarias, nos cafés literários entre outros movimentos encadeados. Que hoje começam a existir em Belém, porém isoladas.
Lâminas nos Olhos, meu novo livro produzido pela editora Cromos (2017), é  fruto de uma árvore que teve sua primeira colheita em 1984, quando escrevia poemas nas paginas da Revista do IEP, com o professore jornalista Isaac Dias Gomes um grande incentivador, e depois quando iniciei por convite do poeta , trovador e cordelista Antonio Juraci, nos cadernos de Trova, publicados pela SEMEC, na gestão de João de Jesus Paes Loureiro como secretário de Educação; De lá para cá nutri minha produção com obras como Poesia e Realidade (1992), Os Dragões que passeiam em Minha Língua (1990), Ave Noturna (1999); além das antologias com a Malta  de Poetas Folhas e Ervas, um b ando armado de  Palavras naquele período composto por Antonio Juraci Siqueira, Heliana Barriga, Onna Agaia, Benilton Cruz, Edvandro Pessoato e Walber Pereira, e lá pelos  anos dois mil com Márcio Galvão.

*
2. Seus poemas tem profunda relação com a terra, a natureza, sua ancestralidade amazônica e africana, de forma poética, explique isso para nós.
*
Meus poemas falam da vida, das pessoas, dos lugares e de uma subjetividade poética ao olhar esse universo ora tênue, ora agressivo, por onde eu sou tocada na inteireza. A poesia me oxigena e hoje sou mais livre ainda para cuidar das palavras como um artesão  visualiza sua obra antes que ela esteja ali, materializada. Optei por viver parte de meu cotidiano no urbanus de Belém e em meio ao mato reaprendendo outras linguagens. Esses conteúdos, antes que sejam palavras, estão em minha intuição poética absorvidas da minha relação com a terra, às águas que correm , as lutas que travo em coletivo e sozinha. E acredito no que ouvi de Max Martins em uma entrevista que ele deu a TV Cultura onde apresentaram o poeta antigo (ele) e eu ( na época a neófita): as palavras copulam, é isso mesmo!. Nas veias ancestrais mesmo, daquilo que estou intimidante ligada que pulsa e me faz pulsar, reagir.


2.    Palavras têm lâminas, e o que elas exatamente "cortam"?
R:
Cortam as cegueiras diante da “nervura do real”. A palavra afiada que desossa. A dimensão subversiva de olhar/pensar poeticamente a dinâmica dos seres e coisas no mundo sem categoriza-los insistentemente..  Quando o titulo foi definido ele se deu por essa imagem de quem pretende: cortar a ordenação e se oferecer imanente na poesia, “tudo está ligado”. A faca de filetagem de peixe foi a melhor imagem que tive para a ideia de cortar a cegueira, porque ela desossa bem.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

UM DIA DE FESTAS - POR ADALBERTO MOURA NETO

Recital em frente à casa onde nasceu o poeta Antônio Tavernard, em Icoaraci. Hoje se concretiza o sonho de reerguer este espaço como a merecida Casa do Poeta, na visão de Adalberto Neto e endossado pelo autor do livro Moços & Poetas. Publico hoje, na íntegra um artigo de um grande agitador cultural de Belém, em especial de Icoaraci. Trata-se de um relato sobre uma justa homenagem àquele que é considerado como um dos maiores poetas paraenses: Antônio Tavernard.  O que me motiva esta postagem - e foi a meu pedido - é que a memória cultural do nosso estado vem de pessoas que fazem isso de forma espontânea. O Adalberto Neto é aquele leitor voraz e já um especialista no Poeta da Vila - e isso é o mais importante: ler a obra de Tavernard é encontrar: religiosidade, Amazônia, lirismo, musicalidade romântico-simbolista, um tom épico em seus poemas "em construção" e um exímio sonetista, e eu diria: Tavernard faz do soneto um minirromance.  Fico feliz pelo Adalberto Neto, o autor d...

AO CORAÇÃO DO MAESTRO (PEQUENA CRÔNICA PÓETICA)

O coração do poeta encontrou o coração do maestro em outubro de 2023 e desde então conversavam como se fossem dois parentes que fizeram uma longa viagem a rumos diferentes e que se reencontravam de repente. O coração do maestro ensinava; o coração do poeta ouvia. Quem ensina é o coração; quem aprende é também o coração. Dois irmãos. - Um coração para duas mentes diferentes. O coração do maestro regia as histórias, as lendas, os mitos, a ópera, a música; o coração do poeta dizia: sonho com o verso, o certeiro acorde, do maestro como ópera e como canção, como rima, como melodia, como ode. E alegria. Era muita cultura, para muito mais coração. Era quase todo dia, um projeto, uma ideia, uma música, um hino, o coração do poeta escrevia: "Homens livres e de bons costumes/ irmãos do espírito das letras/ levantai a cantar a Glória do Arquiteto Criador/ Homens Livres e de bons costumes/ Irmãos do espírito das Letras/ Aprumai a voz ao coração/ que a pena é mais forte que o canhão/ Às Letras...

A ORIGEM DO FOGO — LENDA KAMAYURÁ

    Lenda colhida pelos irmãos Villas Boas. Posto Capitão Vasconcelos à margem do arroio Tuatuari, em 16/06/1955.    Na Amazônia, todos os povos indígenas têm lendas sobre a origem do fogo. Elas diferem entre as etnias, embora o processo seja o mesmo: uma flecha partida em pedaços e uma haste de urucum.  Das lendas que ouvimos sobre a origem do fogo, a que mais nos pareceu interessante foi a narrada por um velho Kamayurá.                                                     “Canassa — figura lendária, caminhava no campo margeando uma grande lagoa. Tinha a mão fechada e dentro, um vaga-lume. Cansado da caminhada, resolveu dormir. Abriu a mão, tirou o vaga-lume e pôs no chão. Como tinha frio, acocorou-se para aquecer à luz do vaga-lume. Nisso surgiu, vindo da lagoa, uma saracura que lhe disse: ...